2008

discos

e.s.t, Leucocyte
Bon Iver, For Emma, Forever Ago
Nick Cave & and The Bad Seeds, Dig Lazarus, Dig!!!
TV on the Radio, Dear Science
Silver Jews, Lookout Mountain, Lookout Sea
Jun Miyake, Stolen from Strangers
Portishead, Third
Beach House, Devotion
Vandermark 5, Beat Reader
Nico Muhly, Mother Tongue


filmes

Hunger, Steve McQueen
The Assassination of Jesse James by the coward Robert Ford, Andrew Dominik
No country for old men, Joel e Ethan Coen
Aquele Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes
Entre les Mures
, Laurent Cantet
The Darjeeling Limited, Wes Anderson
O Segredo de um Cuscuz, Abdellatif Kechiche
Aleksandra, Alexander SukurovLaurent Cantet

| João Amaro Correia | 27.12.08 |   |

2008


[Fundação Iberê Camargo, Álvaro Siza Vieira, Porto Alegre]

| João Amaro Correia | |   |

it’s beginning to look a lot like Christmas#2


Todos estão muito próximos uns dos outros, partilham-se alegrias e tristezas, ralham entre si e beijam-se logo a seguir.

[Fanny and Alexander, Ingmar Bergman, 1982]

| João Amaro Correia | 25.12.08 |   |

it’s beginning to look a lot like Christmas*



[EN113, Ourém]

*The New Yorker

| João Amaro Correia | 24.12.08 |   |

Mar da Palha

Todas as razões aduzidas (contra ou a favor) a candidatura de Pedro Santana Lopes à presidência da Câmara Municipal de Lisboa não são excluídas de um ruinoso calculismo político onde não cabe uma única ideia para a governação da cidade.
PSL é um espectro. Fantasmático, a sua sombra é um lugar frio. Paradoxo da sua natureza errante: aos fantasmas não é reconhecida a possibilidade da privação da luz. Mas não nos afastemos para a ingenuidade e reconheçamos que PSL é um enigma que o PSD e os lisboetas têm que necessariamente resolver, sendo sua jaez, precisamente, enigmática. PSL congrega 1/3 do partido. PSL tem capacidade de se insinuar noutros eleitorados mais dados à volatilidade – e são os tempos voláteis. PSL é o herdeiro e maior executor de um programa político que se caracteriza pela ausência de rumo, pela ligeireza programática, pela agilidade oratória, pela docilidade fútil, pela falta de rigor, pelo populismo, pela demagogia. O seu a seu dono, será tão transparente como o seu espectro, ao contrário da sua némesis, José Sócrates, ínvio e borderline. Em certa medida PSL é o pathos do ser português: a chico-esperteza, a bonomia, o sentimentalismo, a alegre ignorância, a redução da vida a um “viver habitualmente” sem grandes maçadas. Talvez mesmo por isto colha em largas fatias do eleitorado.
Ainda que nos afastemos do artifício foguetório de Slavoj Žižek, com ele nos cruzamos na afirmação da necessidade imperiosa de debate público nos tempos que correm. Sobretudo nos tempos que correm. Em que o debate público é eivado de demagogia, em que o poder é reduzido ao exercício do o alcançar e manter, em que a coisa pública é privatizada. É a resposta possível à chistosa acusação feita pelo populismo, que não admite qualquer possibilidade de pensamento para além da vulnerabilidade das massas. É a resposta possível à demagogia corrente que dissolve qualquer discurso mais espesso que um écran LCD. É a resposta possível à recorrente estigmatização do intelectualismo e dos intelectuais, segundo o populismo, dedicados mais à pastorícia vita contemplativa do que à primaz vita activa que o zeitgeist exige.
Entre as incertezas à esquerda - que não se revê no pragmatismo desideologizado e interesseiro de Sócrates, que se deseja aconchegar no regaço do bluff Manuel Alegre, (30 anos no quentinho parlamentar e ainda se permite a grandiloquentes declarações de princípios) - e a fragmentação da direita - entre o cada vez mais desamparado culto da personalidade a Paulo Portas e a incapacidade de Manuela Ferreira Leite regenerar o PSD da insanidade populista/basista que o acudiu até há pouco tempo - abandonamo-nos à nostalgia do que poderia ser, finalmente, um debate sério profícuo sobre o que é Lisboa e o que se quer para Lisboa. E à previsibilidade de mais quatro anos do pântano pseudo-tecnológico que este governo ficciona como que para elidir o imenso provincianismo do seu chefe.
Mais ideologia, menos pragmatismo. Seria imperativo, político e moral, que a direita se apresentasse no próximo ciclo eleitoral com um projecto decente, ideologicamente sólido, estruturado numa ideia de país liberto do peso do Estado e no fortalecimento das liberdades individuais. A começar por Lisboa.
O problema de Lisboa, e que decorre da relevância da capitalidade, é servir de tirocínio para voos nacionais. Não cremos que António Costa refreie a sua ambição política aos passos do concelho sem pensar na era pós-Sócrates. E será de ciência duvidosa a promessa de um PSL comprometido com a cidade antes da sua sobrevivência política, (uma espécie de comeback kid dos pobrezinhos), e dos seus interesses particulares (tão estáveis como a geometria do vento).
Lisboa encontra-se num momento crucial na redefinição da sua identidade. Desabitada, envelhecida, abandonada, suja, pouco mais lhe resta que o Sol reflectido no Mar da Palha. Talvez não seja pouco, neste Inverno.


+
A ver se percebo, Adolfo Mesquita Nunes
Santana Lopes e a CML, Fernando Martins
A escolha de Pedro Santana Lopes, Bruno Alves
antevisão da campanha de santana lopes, Rodrigo Moita de Deus
O cerco a António Costa, José Medeiros Ferreira
Cultura Partidária, Nuno Gouveia
O indesejado, Pedro Correia
Será que foi premeditado?, Filipa Martins
Um bom candidato, Jorge Ferreira

| João Amaro Correia | 18.12.08 |   | /

lugares, cidades, identidades


isto é o bairro
excitante bairro
distante bairro
alucinante
isto é o bairro
excitante bairro
distante bairro
apaixonante

isto é o bairro
excitante bairro
está no sangue
na vida, apaixonante
movimento
gajos ficam fora 24horas do andamento
bairro
excitante bairro
corre no sangue
a vida e a morte alucinante
bairro
movimento, andamento
gajos ficam fora, mas de dentro

aqui encontra profetas, poetas
pensadores revolucionários
como o Mário Viegas,
estranha forma de vida
aqui por entre as vielas
isto é o bairro
aqui ninguém é piegas, hey
todas as noites temos barricada
estrada cortada
enquanto a Foz está bem policiada
aqui encontras tudo e não encontras nada
branca, castanha,
beat boys, goe’s e street boys,
pitbulls, rottweilers e red skins
gunas, carros kitados, grandes colunas,
fanáticos de futebol, ultras de Portugal
de cachecol
na mala um taco de basebol
vejo fora nas ruas que apanham mocas com putas
fogem da bófia e carros patrulha
vejo políticos no jogo, no roubo,
vejo o meu povo
mas nunca vi ruas pavimentadas oh

pj’s, rusgas os gangs, o sangue
rixas dos ninjas
saltam das carrinhas




Como expressão cultural o hip-hop e o rap decorre das ruas. Tem origem num contexto urbano pós-industrial, em bairros de rendimento, onde as perspectivas das gerações mais novas seriam tão largas como a extensão do ghetto. Está associada a uma cultura de resposta à repressão que muitas vezes a renovação urbana compreende, à deterioração das condições que, em determinadas zonas, acompanhou a desindustrialização. A exclusão é urbana, só depois social. Daqui ao fechamento das comunidades sobre si mesmas, resguardadas pela espessura do ressentimento e do ódio, o salto é ínfimo e evidente.
É, portanto, o hip-hop um discurso do e no espaço público, independentemente da linguagem desse discurso, que é, genericamente, crua.
Não sendo observador do fenómeno, calhou em zapping de insónia apanhar na (inenarrável) MTV-Portugal o vídeo de Ex-Peão, Bairro. O vídeo chega-nos como um documentário, uma digressão por um bairro degradado do, (presumivelmente), Porto. Já este ano em França se assistiu ao fenómeno do vídeo Stress, dos Justice, que serviu de pano de fundo a um debate em volta da violência das imagens e dos porquês dessas imagens, ou antes, o que originará essa estética crua do ressentimento.
As primeiras imagens - degradação urbana, o puto com o dedo médio apontado à câmara, como uma saudação de boas-vindas ao que aí vem – são carimbadas com códigos de barras, como que a marcar a uniformização, massificação, dos costumes e comportamentos, inevitáveis da sociedade de consumo. A própria marginalidade – no sentido cultural – é trazida ao mainstream da comercialização massificada. Seguem-se planos de um urbanismo legitimado pelo selo modernista: torres exclusivamente habitacionais, distantes umas das outras, separadas por impossíveis “zonas verdes”, ruas largas, dimensionadas para o automóvel.
O rapper inicia o seu discurso, contraponto às imagens da pobreza e exclusão. Elegíaco da ordem das ruas, apaixonado, o poema do MC, serve ao mesmo tempo de denúncia e interrogação aos fenómenos marginais – no sentido social – que fazem o quotidiano do bairro.
Antes da falência dos modelos de inclusão social, de que vamos tendo notícia diária, a falência é do urbanismo. A ghettização social decorre da compartimentação [zonning] da própria vida a que este desenho urbano conduz. A vida é, aqui, na rua, nas galerias de distribuição dos edifícios, nos percursos distantes entre cada edifício, num soçobrar da diferença entre o doméstico, privado, e a esfera pública. Ao invés de ruas tradicionais, com passeios suficientemente largos para albergar uma vida comum, as ruas ou são intersticiais ou de perfil via-rápida.
O espaço público deixa de ser suporte de um habitar seguro, mutuamente vigiado. São sórdidas fendas entre edifícios divididos como torres rivais. O espaço público é ainda o território da afirmação de discursos. Já não pelas palavras, mas pela 6.35.


[Bairro, Ex-Peão, 2008]

p.s. A transcrição do poema foi feita de ouvido. Contém imprecisões.

| João Amaro Correia | 17.12.08 |   | /

portugal pós-moderno

O presidente da Ordem dos Arquitectos, João Belo Rodeia, sente "muito orgulho" no nome escolhido pelo júri multidisciplinar do Prémio Pessoa, que "traduz bem a importância que a profissão tem como um dos principais recursos de afirmação do país". "Estes prémios são de todos os arquitectos."

Público, 13.12.2008


As pessoas contentam-se demasiado depressa com um círculo restrito que se formou e estabilizou - e se reproduz - há já demasiado tempo.

Pedro Gadanho, ARTECAPITAL



Perante os equívocos da atribuição do Prémio Pessoa ao arquitecto Carrilho da Graça – pela carreira?, pela arquitectura?, pelo homem? - , o mais intrigante será o afadigamento da corporação em estende-lo a “todos os arquitectos”. As afirmações do bastonário assim o confirmam, e o premiado, num momento de magnanimidade, o exprimiu. Mas andamos uns quilómetros pelo território português e a realidade, catastrófica, diz-nos qualquer coisa de diferente deste optimismo radical que exala da imprensa do último fim-de-semana sobre a qualidade dos “arquitectos portugueses”, (categoria em que este vosso humilde escribanita se inscreve). Mas para além das tocantes banalidades produzidas pelo júri, importa deixar assentar a poeira sobre o que é a obra de Carrilho da Graça e o pensamento que lhe subjaz.

Uma fugaz retrospectiva ao percurso de Carrilho da Graça é indissociável do movimento geracional em que se insere. A geração de 80 [Manuel Graça Dias, Carrilho da Graça, Belém Lima, Eduardo Souto Moura, Adalberto Dias, etc.] teve efeito na interrupção da contenção formal e no curso ideológico que até então dominavam a prática da arquitectura, ainda fixada no horizonte da revolução de 74. A descomplexada ruptura face às gerações anteriores reflectia o desejo e o eclectismo de novas linguagens. No essencial, um grupo heterodoxo de arquitectos que propunha o corte com a geração anterior pela negação do “espírito de missão” do Movimento Moderno e pela recusa da gravidade dos termos e do discurso arquitectónico. Bem ao sabor do espírito do tempo aceitam-se decomplexadamente os valores do prazer, da moda, da ironia, e do experimentalismo de materiais e cor. Carrilho da Graça filiar-se-á numa tendência que recusa a manipulação fortuita de imagens e do vocabulário histórico da arquitectura, e entrincheirada no necessário rigor na leitura do lugar e das arquitecturas, ainda que distante das metodologias de releitura da tradição e do vernáculo, se se quiser, do contextualismo. Erradamente se excluem da Escola de Lisboa figuras tutelares. Manuel Vicente, Vítor Figueiredo, Hestnes Ferreira, Pancho Guedes, Luís Cunha, Taínha ou (ainda) o Teotónio Pereira, obrigado António, sendo que a Carrilho da Graça interessará mais a releitura do cânone modernista e a prossecução desse projecto totalitário do que o pluralismo e o compromisso intrínseco à arquitectura, protagonizado, por exemplo, por Manuel Vicente (há que mencioná-lo – não lhe escapamos, Lourenço).
Mas o pensamento de Carrilho da Graça, o desejo radical da abstracção, a confiança no purismo formal do modernismo, algumas investigações sobre o território e a paisagem, ainda que excluídas de qualquer inclinação nostálgica, arrisca um assoberbado desejo de mediatização que decorre do autoritarismo que esse desejo de “pureza” induz, em perda com o real.
Reportando-nos ainda à mesma geração, estamos em crer que o trabalho de Manuel Graça Dias, quer como pensamento concretizado, quer como protagonista da divulgação da disciplina, será muito mais profícuo e profundo. Desde logo porque ensaia uma permanentemente articulação da reflexão disciplinar com a realidade e com o contexto de uma certa forma de ser (e construir) em português. E depois, porque esse compromisso ético e estético é inclusivo e não exclusivista, como o é o de Carrilho da Graça. Fora o Prémio Pessoa um prémio de arquitectura, [e não outra coisa qualquer que se não entende bem], a pertinência crítica de Manuel Graça Dias e o seu compromisso cosmopolita com a geografia humana e natural portuguesas seriam certamente de mais útil divulgação que alguma inocuidade estética que atravessa o trabalho de Carrilho da Graça. Ou, como com meridiana clareza nos diz Adolf Loos, nos idos de 1899, “a arte e a realidade complementam-se uma à outra de forma pacífica. Mas por cá continua a dizer-se: Arte versus realidade!”.

Quanto ao embriagante perfume de sucesso com que a Ordem dos Arquitectos celebrou este prémio, apenas lhes desejo um passeio para lá do Campo Grande. E que confirmem os méritos desta classe dedicada ao ofício de construir. Porque os méritos e carreiras assinaláveis devem-se apenas a um esforço de perseverança individuais e não a um movimento colectivo, (classista?, corporativo?), mumificado e paralisado em anacrónicas e incultas produções.

| João Amaro Correia | 15.12.08 |   | /

o mal-estar na civilização


C'est l'Ennui!- l'œil chargé d'un pleur involontaire,
Il rêve d'échafauds en fumant son houka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
- Hypocrite lecteur, - mon semblable, - mon frère!


Beaudelaire



A ideia de evasão é central na obra de Antonioni. Solidão, abandono, alienação, desviam-nos da presença das coisas e enfatizam a sua ausência. A aparência dos objectos no mundo é rodeada de incerteza. O inefável como projecto e objecto de comunicação. A geografia da aparência, em Antonioni, sucede na paisagem modernista, da sociedade industrial e do bem-estar. E o cinema de Antonioni é um cinema de paisagem, exterior e interior, num desdobramento espacial quase abstracto – confirme-se na sequência final de O Eclipse [1962].
O Deserto Vermelho [1964] aprofunda o sentido abstracto da realidade: cor, objectos, focagem e desfocagem, enganos ao olhar, profundidade de campo à dimensão da espessura do olhar do espectador, num ajustamento estético à volta do indizível do mundo; a sórdida paisagem dos detritos industriais (quase) tão sublime como os olhos melancólicos de Mónica Vitti.
Como uma metáfora do mal-estar civilizacional, O Deserto Vermelho, explora a desolação espiritual num mundo sobrexposto à tecnologia e à catástrofe ambiental, e a (in)capacidade de permanecermos imunes ao desconcerto do mundo.
Construímos paisagens sépia, manchadas pelo amarelo dos fumos tóxicos; habitamos pré-fabricados, anódinos, invadidos, em rasgos aleatórios nos muros, por objectos quase monstruosos – a casa onde habita Giuliana e o petroleiro que a atravessa.
Tudo é um pouco desolador mas nessa desolação Antonioni prossegue Adorno, na necessidade de contemplar as coisas pelos lado da sua redenção possível. Como na estória que Giuliana conta ao filho, uma ilha onde "todas as coisas cantam".

[Il Deserto Rosso, Michelangelo Antonioni, 1964]

| João Amaro Correia | |   | / /

a era do vazio


O pós-modernismo não passa de uma ruptura de superfície, conclui a recilagem democrática da arte, continua o trabalho de reabsorção da distância artística, leva até ao extremo limite o processo de personalização da obra aberta, fagocitando todos os estilos, autorizando as construções mais divergentes, desestabilizando a definição da arte moderna.

Gilles Lipovetsky, A Era do Vazio


A questão pós-moderna levanta com especial acutilância o instinto estético da arquitectura e a sua recepção pública. Fredric Jameson, em The Cultural Logic of Late Capitalism, sugere a nova apetência dos públicos massificados pela arquitectura através da importância das diversas formas de representação de classe, pelo simbolismo que cada edifício pode sustentar do seu promotor, e, de certa forma, pela atenção com que as massas [consumidoras] reconhecem à arquitectura como modeladora da “paisagem visual”. Esta visão oferece-nos claramente a distinção entre paisagem, do domínio do trabalho disciplinar, e “paisagem visual”, como consequência óbvia da arquitectura na vida e no quotidiano de qualquer indivíduo.
Tomás Taveira terá sido o protagonista do último grande debate público sobre o carácter da arquitectura. Na já distante década de 80, com o complexo das Amoreiras. O modelo era novo, o discurso, para o bem e para o mal, “irreverente”, num país que lentamente se abria à “Europa” e numa disciplina entrincheirada entre o vanguardismo estético dos arquitectos, a insuficiência cultural dos promotores, e o desprezo distraído dos “consumidores” de arquitectura.
As Amoreiras tornam-se simbolicamente o momento de assunção, no contexto doméstico, do carácter público, ou se se quiser, social, da arquitectura. O mérito é do arquitecto e da sua capacidade de sincronizar o tempo e o debate arquitectónico internacional da época com o contexto português. Terá sido o momento alto da carreira de Tomás Taveira, onde tenha sintetizado o seu pensamento arquitectónico com mais acutilância. Mesmo que envolto em polémica.
Mas a fragilidade de uma síntese arquitectónica radicada na premência e manipulação de imagens - históricas e da sociedade de consumo – atravessa facilmente a ténue linha entre um pensamento arquitectónico sério e radicado numa revisitação histórica da disciplina e um populismo vazio à mercê de interesses – legítimos, diga-se – de promotores mais interessados com a auto-representação e menos com a própria matéria arquitectónica.
E é a futilidade que domina a produção de Tomás Taveira de então para cá.


[Tomás Taveira, Saldanha 25, 2008]


p.s. Corre nos mentideros a exigência da Câmara Municipal de Lisboa da utilização de um revestimento mimetisando o Atrium Saldanha [Ricardo Bofill e João Paciência], que confronta o edifício de Tomás Taveira. Penosa, esta incursão burocrática dos serviços municipais ao estirador do arquitecto. Fosse o edifício revestido com a festiva paleta cromática de Tomás Taveira e o vazio seria um pouco menos oco.

| João Amaro Correia | 13.12.08 |   | / / /

o corpo do condenado


Poder, controlo, corpo. O corpo como território último da luta política, limite da própria humanidade. Hunger é a experiência física: do corpo sacrificial no espaço do encarceramento; da tensão entre o corpo torturado e o último lastro de humanidade que encarna.
Da arte povera – as paredes do cárcere revestidas com os excrementos de quem se recusa à higiene básica por uma causa política – à body art – que, pela mesma causa, se deixa o corpo abandonado à lentidão exasperante da fome, à morte – Hunger é a experiência da resiliência ao encarceramento, e do corpo como fronteira última da resistência à tortura.
O espaço da reclusão é o lugar do desdobramento moral. Carrasco e torturado, corpo a corpo, numa batalha claustrofóbica. As mãos lavadas do polícia não limpam, o polícia despido do capacete e do cacetete que chora ao canto, escondido, despercebido do pelotão de tortura ocupado com o terror, o polícia, morto a sangue frio, caído nos braços da mãe “ausente” como uma Pietá desossada, descarnada, o corpo do condenado, quase crístico, trespassado das chagas voluntárias, silencioso, exaurido das palavras que já não têm força.
A austeridade visual, quase abstracta, táctil, a adesão à realidade crua e cruel, coloca-nos, ao nosso corpo, no corredor da morte.

[Hunger, Steve McQueen, 2008]

| João Amaro Correia | 11.12.08 |   | /

política da amizade

L’ami n’est pas un autre moi, mais une altérité immanente dans la mêmeté, un devenir autre du même.


[L’amitié, Giorgio Agamben]

para S.

| João Amaro Correia | 10.12.08 |   |

il faut être absolument contemporain

Le contemporain est celui qui fixe le regard sur son temps por percevoir non les lumières, mais l’obscurité.


[Monument, Jenny Holzer, 2008]



Numa sucessão de fragmentos elípticos e eruditos, Agamben, convoca-nos à interrogação da contemporaneidade e do que é ser contemporâneo.
Não nos será possível a condição contemporânea sem distanciamento. O homem contemporâneo permanece dessincronizado da sua época. Ainda que actual, estar dentro da actualidade não será condição suficiente. Torna-se imperioso viver o tempo de modo anacrónico, mas sem qualquer traço nostálgico nem de condenação do presente. O século, saeculum, nome primevo do tempo de vida, é a coragem de olhar o tempo, a época, para entender a obscuridade fundamental: “contemporain est celui qui perçoit en plein visage le faisceau de ténèbres qui provient de son temps”.
Ser contemporâneo é manter uma relação particular com o tempo. Uma relação que será uma fractura entre o saeculum e as gerações, e será nessa fractura que eles se encontram. À contemporaneidade exige-se aperceber da obscuridade do presente, relacioná-la com outros tempos, através de uma leitura original da história. Citar a história em função de uma necessidade que provém de uma exigência à qual não se pode deixar de atender: a ultrapassagem do “agora” pela “luz invisível que é a obscuridade do presente”.

[Qu'est-ce que le contemporain?, Giorgio Agamben]

| João Amaro Correia | 4.12.08 |   | /

da demagogia





[Largo do Rato, Lisboa]

[in progress]

| João Amaro Correia | 3.12.08 |   | /