o corpo do condenado


Poder, controlo, corpo. O corpo como território último da luta política, limite da própria humanidade. Hunger é a experiência física: do corpo sacrificial no espaço do encarceramento; da tensão entre o corpo torturado e o último lastro de humanidade que encarna.
Da arte povera – as paredes do cárcere revestidas com os excrementos de quem se recusa à higiene básica por uma causa política – à body art – que, pela mesma causa, se deixa o corpo abandonado à lentidão exasperante da fome, à morte – Hunger é a experiência da resiliência ao encarceramento, e do corpo como fronteira última da resistência à tortura.
O espaço da reclusão é o lugar do desdobramento moral. Carrasco e torturado, corpo a corpo, numa batalha claustrofóbica. As mãos lavadas do polícia não limpam, o polícia despido do capacete e do cacetete que chora ao canto, escondido, despercebido do pelotão de tortura ocupado com o terror, o polícia, morto a sangue frio, caído nos braços da mãe “ausente” como uma Pietá desossada, descarnada, o corpo do condenado, quase crístico, trespassado das chagas voluntárias, silencioso, exaurido das palavras que já não têm força.
A austeridade visual, quase abstracta, táctil, a adesão à realidade crua e cruel, coloca-nos, ao nosso corpo, no corredor da morte.

[Hunger, Steve McQueen, 2008]


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