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retórica insuportavelmente sentimental#2

É pena, sem dúvida, que uma parte tão grande do trabalho criativo esteja tão intensamente relacionada com a personalidade daquele que o produz.
É triste, embaraçoso e pouco interessante que as emoções que sacodem o artista a ponto de lhe exigirem expressão, cumulando-a de uma certa dose de luz e força, estejam quase sempre enraizadas, por muito modificadas que apareçam à superfície, nas preocupações pessoais, por vezes singulares, do próprio artista – esse mundo particular, cujas paixões e imagens cada um de nós vai tecendo do nascimento até à morte, uma teia de complexidade monstruosa, urdida – a uma velocidade incalculável e com uma extensão impossível de medir – por essa aranha que são as percepções singulares do artista.
É uma ideia solitária, uma condição solitária, e é tão aterrorizador pensar nela que normalmente não o fazemos. E por isso falamos uns com os outros, escrevemos, telegrafamos e telefonamos uns aos outros, de perto ou de longe, cruzando terra e mar, apertamos as mãos à chegada e à partida, lutamos uns com os outros e até nos destruímos uns aos outros, neste esforço algo frustrado de atravessar paredes em direcção ao outro. Como disse uma vez um personagem numa peça, “Estamos todos condenados a viver na cela solitária da nossa pele.”
O lirismo pessoal é o grito de um prisioneiro para outro, na cela solitária a que cada um está confinado durante toda a vida.

[...]

Tennessee Williams, Uma Palavra ao Leitor in Um Eléctrico Chamado Desejo e outras Peças



Mas continuo a dizer que sou um egoísta [...]

Eduardo Souto Moura in i, 05.10.2009

| João Amaro Correia | 7.10.09 |   | / /

a casa encantada


[
Spellbound, Alfred Hitchcock, 1945]


Se pretendemos representar espacialmente a sucessão histórica, só o podemos fazer por uma justaposição no espaço; o mesmo espaço não pode ser ocupado por duas coisas distintas ao mesmo tempo. A nossa tentativa parece um jogo ocioso; a sua justificação é apenas esta: mostra-nos como estamos longe de abarcar numa imagem todas as características da vida mental.
Temos ainda que responder a uma objecção. Poderá perguntar-se por que razão escolhemos precisamente o passado de uma cidade como termo de comparação com o passado mental. A suposição de que todo o passado e conservado só é válida também para a vida mental apenas na condição de que o órgão da psique permaneça intacto, de que o seu tecido não seja danificado por traumas ou inflamações. No entanto, as influencias destrutivas equiparáveis àquelas causas patológicas estão sempre necessariamente presentes na história de qualquer cidade, mesmo de uma cidade que, como Londres, praticamente nunca foi invadida por inimigos. O desenvolvimento perfeitamente pacífico de uma cidade inclui a demolição e substituição de edifícios, e é por esta razão que o exemplo de uma cidade não é apropriado para a comparação com um organismo mental.


[Sigmund Freud,
O Mal-Estar na Civilização]


Sigmund Freud
[6.6.1856 — 23.9.1939]

| João Amaro Correia | 23.9.09 |   | / /

habitar: passagem


[Distant cloud formation, Axel Antas, 2006]


Acolher o desejo e liberdade humanos. Acção sobre o mundo que tem como fim último situar-nos vigorosa e amorosamente sobre a Terra.
Difícil transformação da terra inóspita à qual o Homem foi lançado por Deus após a traição primordial.

| João Amaro Correia | 19.9.09 |   | / / /

absurdo abrigo


Assim como o espaço rodeado por quatro paredes tem um valor específico, provocado não tanto pelo facto de ser espaço mas pelo de estar rodeado por paredes.


[The Deer Shelter, James Turrell, 2007 + Perto do Coração Selvagem, Clarisse Lispector]

| João Amaro Correia | 11.9.09 |   | / /

um caminho para a ruína


The exhibition sets its sights on modernity’s design for a more humane and contemporary society since the early twentieth century: a design for new forms of living and new cityscapes. What happened to this utopia?
The architecture and design concepts by the artists represented in the exhibition contemplate "models" of utopian, pure design in their state of deterioration. Sometimes preserving moments of the crystalline, they are riddled with decay, entropy, ruin, and "rust" (Smithson), yet find nourishment from the idea of the bricolage, the implementation "of that which is there," from the concept of recycling, so to speak. With that, they formulate final day stages, testing survival on the remnants of a demised civilization. These remnants are the final resources. On the other hand, these approaches thus take up a practically utopian thought of "sustainability," the idea of a better society, born of the spirit of dystopia.
When desolation, neglect, and the degeneration to slums as bleak and relentless final evidence of an exploitative, brutalized society of competition, profit, and fanaticism have caused the utopia of a humane, enlightened society to collapse, then humility is called for in order to make something from the void with whatever means remain after the catastrophe. These dystopias are constructed from the hackneyed ideas of a thousand-year old human history, of the resonance and reflected memory of utopian design and architecture, in view of which an awareness ought to be generated that available resources are limited and a redefinition of the new, of progress is called for.

It is no coincidence that the genealogy of the exhibition’s artists begins in the 1970s, a time in which the shimmer of pop and minimal art began to crumble and the post-industrial era made visible the limits of growth. Key figures here are Robert Smithson and Gordon Matta-Clark, who analyzed their present day in their own special way, critically and emphatically, also prophetically. Taking the concrete run-down or repressed reality of the cities’ wastelands as well as the monuments of industrial archeology and the suburbs as their starting-point, they aimed at detecting the entropic state of the present, or possibly even invoking it. Despite the attraction of the shimmering and reflecting surfaces of 1930s Modernism that Smithson described in an equally ecstatic and ambivalent way in his legendary essay "Ultramoderne," Smithson and Matta-Clark became deeply involved in the entropic ruinous state as proof of fleetingness. Nonetheless, Smithson also described the state of postindustrial architecture with the concept of reversed ruins, buildings which "rise into ruin before they are built This negative dialectic becomes clear as "undoing" in Smithson’s Partially Buried Woodshed and Matta-Clark’s dissecting interventions—affirmation through deconstruction. Entropic areas, places of transfer and dissolution, such as the garbage dumps favored in Matta-Clark’s Fire Child, become sites of alchemist action: the purifying powers of fire serve to create a site of non-alienated action in a practically primordial ritual within the urban wastelands—to gain something new from garbage—rather than to dispose of undesirable garbage. Allegorically, the Garbage Wall functions as a prototype or first building block of a structure; later the fire serves to grill a pig finally distributed to all present.

What is still a site of involved action here, the site of an "art of practice" of the urban flaneur, who is a critically observing participant, is perceived from afar, with detachment in Bantar Gebang by Jeroen de Rijke / Willem de Rooij: people who have set up a neighborhood on a garbage dump are perceived as others by another. Rob Voerman, on the contrary, uses parts of garbage to erect his hybrid dwellings.

When Isa Genzken and Dan Graham in Chicago Drive or Private "Public" Space: The Corporate Atrium Garden take up the promise of Modernism’s utopian architecture, that is, the Ultramoderne, in cruises through an iridescent, sparkling, crystalline, and simultaneously ethereally cold, gleaming Chicago of skyscrapers, or pursue the attempts to bring back nature manifest in corporate buildings—where talk is thus of the beauty of the architectural, its brittleness and fleetingness and false appearances likewise emerge, allegorically presented in the intro to Chicago Drive with the journey past the idyllic eternal calm of a cemetery, a special type of suburb of the dead.

The obverse of these representative buildings is to be found in the outskirts and their tower blocks, which Stephen Willats and Cyprien Gaillard both investigate in their own way. Gaillard accepts the dilapidated beauty of the neighborhoods degenerated to ruins and social problem zones, which as in the case of Pruitt-Igoe, Scampìa, or the Parisian Banlieues are laid in ashes in baroque fireworks. Since the 1960s, Willats has carried out systemic studies with the inhabitants of blocks of flats on the outskirts, presenting the results in diagrammatic photomontages. The inherent shady side of the "concrete blocks" comes up, but is not demonized per se; he rather focuses on the changed lifestyle and the failure of politics.

In the 1970s, the crisis of capitalism clearly manifested itself in the downfall of some cities, in particular, New York. This made it deducible what it means when resources become ever scarcer and social services cease, entire neighborhoods go to ruin, and the economy is controlled by combines. Yona Friedman raised his voice as an architect already at an early stage and, contrary to what one would expect, referred to the second half of the twentieth century as a "poor" century, in which everyone was now urged to share resources. Ecological and social utopian thoughts, as developed by Friedman and Matta-Clark, who was trained as an architect, have lost nothing of their explosiveness. Thus, quite a few present-day artists deliberately refer to "forerunners" from the 1970s; but there is also an indirect thread of thought figures orbiting Modernism’s themes and their results which carry through until today and which we see reflected in the exhibition in works by Rob Voerman, Jeroen de Rijke / Willem de Rooij, Giuseppe Gabellone, Florian Pumhösl, Gyprien Gaillard, and Stephen Willats. An arc spans here from concepts such as the crystalline, entropy, ruins, and bricolage, which in reaction to Formalism have been increasingly theorized in Postmodernism, to the works shown in the exhibition


Modernism as a ruin, An Archaeology of the Present

[Partially Buried Woodshed, Robert Smithson, 1970]

| João Amaro Correia | 26.8.09 |   | / /

o lugar interior do real


Posso chegar a um espaço vazio qualquer e usá-lo como espaço de cena. Uma pessoa atravessa esse espaço vazio enquanto outra pessoa observa – e nada mais é necessário para que ocorra uma acção teatral.
[...]
No teatro, cada forma alguma vez criada é mortal; todas as formas precisam de ser recriadas com as marcas das influências de tudo o que as rodeia. Neste sentido, o teatro é relatividade. E apesar disso, o grande teatro não é uma casa de moda: há elementos perpétuos que são recorrentes e determinados elementos que estão sempre subjacentes à actividade dramática. A armadilha mortal consiste em acentuar a distinção entre as verdades eternas e as variações superficiais: esta é uma atitude de snobismo subtil que se revela fatal.

[O Espaço Vazio, Peter Brook, 1968]

É da acção da arquitectura a revelação – desocultação – do ‘espaço vazio’, teia invisível, que nos liga ao mundo. É aí que somos no mundo.
À manifestação minuciosa da nossa diferença, segue-se a distância percorrível, mais ou menos feliz, mais ou menos dolorosa, do que nos une.



para o Rúben Tiago

| João Amaro Correia | 10.6.09 |   | / /

Devir/To Become


[Devir/To Become, Marta Alvim, Silver Award no WorldFest-Houston International Film Festival]

| João Amaro Correia | 15.5.09 |   | / /

arquitectura em Helsínquia

- Queres ir a algum lado este fim-de-semana?
Paris, Roma... Para mim, tanto faz.

- Decide tu.
As cidades são todas iguais.



O que Mirja diz, “as cidades são todas iguais”, não é inocente. Habita em Helsínquia uma arquitectura igual à de Tóquio, Paris, L.A., ou Roma. Uma arquitectura de reflexos das marcas comerciais no vidro brilhante dos “volumes” de exaltação tecnológica e económica. No hiper-modernismo de Helsínquia, (Tóquio, Paris, L.A., ou Roma), a torre de aço e vidro substitui-se à torre de marfim, de onde se desce apenas por algum infortúnio acaso.
O “superfuncionalismo” capitalista estende-se a todos os domínios. O mundo trivializa-se sem qualquer sentido transcendente, abolem-se fronteiras entre interior e exterior, definem-se identidades a partir do consumo. A arquitectura mediatiza-se e é mediatizada como mais um objecto de consumo, indiferente ao contexto geográfico, topológico ou físico ou histórico.
O “modelo finlandês”, do bem-estar e do desejo democrático, (a transparência do Tribunal, da administração do poder, as ruas limpas e civilizadas, os cafés asseados e agradáveis), do brilho ostensivo da contemporaneidade envidraçada, transporta-nos para uma cenografia irreal e obscena, onde a memória colectiva, que também configura as cidades, é traficada pela uniformização da realidade.
Se a experiência primária da modernidade eram as cidades, hoje, estas perderam para o ar condicionado que torna o aço e o vidro suportáveis.


[Luzes no Crepúsculo, Aki Kaurismäki, 2006]


nas margens da arquitectura

Descer da torre é entrar nas margens. Não por acaso, na digressão de M. (assim, apenas uma inicial, sem nome e sem número e sem memória de si mesmo), os lugares mais próximos da inclusão na sociedade do bem-estar são as estações ferroviárias, lugares de trânsito apenas, (quando violentamente perde a memória; quando começa a regressar a si; quando se apaixona), como se a memória fosse o ponto de partida íntimo do que somos, indivíduos e sociedade.
M. habita uma comunidade de contentores alugados, qual real estate, explorada por um senhorio ganancioso e à margem de qualquer lei ou justiça. A cidade é um eco distante, um contra-campo remoto, para onde a perspectiva das personagens e da câmara conflui. A dicotomia é entre a cidade e baldios. Entre a cidadania e nem o próprio nome poder proferir.
Ainda que parte de uma sociedade que concretiza o ideal de justiça social e prosperidade, M. representa as margens dessa sociedade. Uma condição que não o resigna. Uma condição em que nos apercebemos definitivamente que o direito de cidadania é coincidente com o direito à cidade.

[O Homem sem Passado, Aki Kaurismäki, 2002]


Em qualquer um destes dois filmes é excluída da manipulação, quer do espectador, quer das personagens, para efeitos de alguma declaração política ou ideológica. Antes, Aki Kaurismäkim faz uso de algum humor sardónico na exposição das estórias e da sociedade finlandesa. Em vez da demagogia, o humor. Amor.

| João Amaro Correia | 11.1.09 |   | / /

o mal-estar na civilização


C'est l'Ennui!- l'œil chargé d'un pleur involontaire,
Il rêve d'échafauds en fumant son houka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
- Hypocrite lecteur, - mon semblable, - mon frère!


Beaudelaire



A ideia de evasão é central na obra de Antonioni. Solidão, abandono, alienação, desviam-nos da presença das coisas e enfatizam a sua ausência. A aparência dos objectos no mundo é rodeada de incerteza. O inefável como projecto e objecto de comunicação. A geografia da aparência, em Antonioni, sucede na paisagem modernista, da sociedade industrial e do bem-estar. E o cinema de Antonioni é um cinema de paisagem, exterior e interior, num desdobramento espacial quase abstracto – confirme-se na sequência final de O Eclipse [1962].
O Deserto Vermelho [1964] aprofunda o sentido abstracto da realidade: cor, objectos, focagem e desfocagem, enganos ao olhar, profundidade de campo à dimensão da espessura do olhar do espectador, num ajustamento estético à volta do indizível do mundo; a sórdida paisagem dos detritos industriais (quase) tão sublime como os olhos melancólicos de Mónica Vitti.
Como uma metáfora do mal-estar civilizacional, O Deserto Vermelho, explora a desolação espiritual num mundo sobrexposto à tecnologia e à catástrofe ambiental, e a (in)capacidade de permanecermos imunes ao desconcerto do mundo.
Construímos paisagens sépia, manchadas pelo amarelo dos fumos tóxicos; habitamos pré-fabricados, anódinos, invadidos, em rasgos aleatórios nos muros, por objectos quase monstruosos – a casa onde habita Giuliana e o petroleiro que a atravessa.
Tudo é um pouco desolador mas nessa desolação Antonioni prossegue Adorno, na necessidade de contemplar as coisas pelos lado da sua redenção possível. Como na estória que Giuliana conta ao filho, uma ilha onde "todas as coisas cantam".

[Il Deserto Rosso, Michelangelo Antonioni, 1964]

| João Amaro Correia | 15.12.08 |   | / /

política da amizade

L’ami n’est pas un autre moi, mais une altérité immanente dans la mêmeté, un devenir autre du même.


[L’amitié, Giorgio Agamben]

para S.

| João Amaro Correia | 10.12.08 |   |

il faut être absolument contemporain

Le contemporain est celui qui fixe le regard sur son temps por percevoir non les lumières, mais l’obscurité.


[Monument, Jenny Holzer, 2008]



Numa sucessão de fragmentos elípticos e eruditos, Agamben, convoca-nos à interrogação da contemporaneidade e do que é ser contemporâneo.
Não nos será possível a condição contemporânea sem distanciamento. O homem contemporâneo permanece dessincronizado da sua época. Ainda que actual, estar dentro da actualidade não será condição suficiente. Torna-se imperioso viver o tempo de modo anacrónico, mas sem qualquer traço nostálgico nem de condenação do presente. O século, saeculum, nome primevo do tempo de vida, é a coragem de olhar o tempo, a época, para entender a obscuridade fundamental: “contemporain est celui qui perçoit en plein visage le faisceau de ténèbres qui provient de son temps”.
Ser contemporâneo é manter uma relação particular com o tempo. Uma relação que será uma fractura entre o saeculum e as gerações, e será nessa fractura que eles se encontram. À contemporaneidade exige-se aperceber da obscuridade do presente, relacioná-la com outros tempos, através de uma leitura original da história. Citar a história em função de uma necessidade que provém de uma exigência à qual não se pode deixar de atender: a ultrapassagem do “agora” pela “luz invisível que é a obscuridade do presente”.

[Qu'est-ce que le contemporain?, Giorgio Agamben]

| João Amaro Correia | 4.12.08 |   | /

recalled to life

It was the best of times, it was the worst of times; it ws the age of wisdom, it was the age of foolishness; it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity; it was the season of Light, it was the season of Darkness; it was the spring of hope, it was the winter of despair; we had everything before us, we had nothing before us; we were all going directly to Heaven, we were all going the other way - in short, the period was so far like the present period, that some os its noisiest authorities insisted on being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparision only.




[A Tale of Two Cities, Charles Dickens]

| João Amaro Correia | 25.11.08 |   | /

stuff in the world



[work nº876, Martin Creed, 2008]

| João Amaro Correia | 19.9.08 |   |