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o mundo é plano


Como um ícone, a arquitectura – os arquitectos – desejam, através da imagem, erguer-se do tempo que devora e da memória que obscurece. Artefacto da vaidade, liça da trivialidade doméstica – sobre o tecido (metáfora ao gosto da classe) mudo onde se derrama o desejo, a cultura, o mundo, ínfimas nódoas que constituem o quotidiano. A imagem condensada – presumimos que seja essa a pretensão - , pretende ser o século e o lugar, o tempo e o modo, sintetizados numas poucas toneladas de betão e ferro e vidro, tão iguais em todo o lado. É um desejo secreto e não dito, escapar a alguma irrelevância, que não neutralidade, que as coisas devem adquirir.
A arquitectura do ícone - o arquitecto do ícone - detesta a cidade. Exalta-se, inefável e narcísica, na auto-contemplação indulgente a que se permite chamar representação do mundo.


[Lisbon architecture graffiti by Someone - a rogue architecture student?, Pedro Gadanho, via SpaceInvading, via iconeye]

| João Amaro Correia | 17.9.09 |   | / / /

landslide

[...]
It is hard to know how the current financial crisis will affect this trend. More than once I’ve heard it suggested that the downturn will be good for architecture. The argument goes something like this: The economic tailspin will put an end to the boom in gaudy residential towers that are distorting the city’s skyline. Cheap rents will attract young, hungry creative types. This will spawn a cultural flowering similar to that of the 1970s, when the Bronx was burning, graffiti artists were the norm and Gordon Matta-Clark was carving up empty warehouses on the Hudson River piers with a power saw.

But cheap rents alone won’t do it. On the contrary, the construction slowdown, if it lasts long enough, will likely drive many young talents out of the profession for good. It also looks less and less likely that a government-sponsored, Works Progress Administration-style civic project will revive the profession — another favorite fantasy of the ever-optimistic architecture scene.

Real change will first demand a radical shift in our cultural priorities. Politicians will have to embrace the cosmopolitanism that was once the city’s core identity. New York’s cultural institutions will need to shake off the complacency that comes with age and respectability. Architects will need to see blind obedience once again as a vice, not a virtue. And New Yorkers will have to remember why they came to the city in the first place: to find a refuge from suburbia, not to replicate it. That’s a tall order.


Nicolai Ouroussoff in New York Times, 24.08.2009



O Cozinheiro, o Ladrão, a sua Mulher e o Amante dela.

| João Amaro Correia | 24.8.09 |   | / / /

da existência das ordens profissionais e também da dos arquitectos

Sou licenciado em Economia. Tenho dois mestrados e um doutoramento em Economia. Sou professor de Economia numa universidade pública. Sou membro da Associação Económica Europeia. Tenho artigos publicados em revistas científicas internacionais de Economia. Com todas estas qualificações, o Estado português não me reconhece como economista. Porquê? Porque não estou inscrito na Ordem dos Economistas.

Quais as consequências de não estar inscrito na Ordem? De acordo com artigo 4.º dos seus Estatutos, não posso fazer “análises, estudos, relatórios, pareceres, peritagens, auditorias, planos, previsões, certificações e outros actos, decisórios ou não, relativos a assuntos específicos na área da ciência económica”. Resta-me, sempre que quiser elaborar um destes estudos, pedir a um meu aluno que assine por mim.

A Ordem dos Economistas não é um exemplo isolado. A pouco e pouco, Portugal tem-se tornado num estado corporativo. Advogados, arquitectos, biólogos, enfermeiros e muitos outros organizam-se em torno de corporações profissionais. Há ainda Pró-Ordens para psicólogos e professores.

Por que existem estas corporações profissionais? Tipicamente, argumenta-se que determinadas actividades são muito exigentes e especializadas e que os prejuízos que maus profissionais causariam à sociedade seriam tremendos. De seguida, diz-se que os profissionais no activo estão em melhores condições para definir os requisitos da sua profissão.

Esperar-se-ia que as Ordens Profissionais e outras corporações dessem formação adequada sobre o exercício da profissão e que procedessem a um controlo de qualidade, punindo infracções a códigos deontológicos. É isto que observamos? Claramente, não. Há uns anos, por exemplo, não houve qualquer condenação aos médicos que passaram centenas de atestados a alunos de Guimarães para faltarem aos exames. Há uns dias, a Inspecção-Geral de Saúde concluiu que a um número alarmante de baixas médicas nem sequer correspondia um único registo clínico do “doente”. De ambas as vezes, a reacção da Ordem dos Médicos foi dizer que os médicos não são polícias. Se nem com estes escândalos mediáticos as Ordens actuam, o que esperar no dia-a-dia? Na verdade, em vez de garantirem as melhores práticas, as Ordens protegem, de uma forma autista, os seus associados.

A única acção visível da Ordem dos Médicos tem sido a de limitar o número de médicos. Desde que existe, tem-se esforçado por impedir a abertura de novos cursos de medicina e o aumento do número de vagas nos cursos já existentes. Quase sempre com sucesso. Os farmacêuticos têm conseguido impedir a abertura de novas farmácias. Mesmo a ténue e meritória liberalização ensaiada pelo governo Sócrates serve os interesses das farmácias instaladas. A Ordem dos Notários quer o monopólio da autenticação de documentos. A Ordem dos Arquitectos recusou-se a reconhecer o curso de Arquitectura da Universidade Fernando Pessoa. A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas exige uma licenciatura adequada e obriga os candidatos a sujeitarem-se a quatro exames escritos e um oral. Cada exame custa 300 euros. Antes dos exames os candidatos são aconselhados a frequentar um curso de preparação com quatro módulos, que decorre ao longo de um ano. O custo de cada módulo é de 1650 euros. A pequena minoria que passa nos exames tem ainda de fazer um estágio de três anos com remunerações baixíssimas.

As estratégias variam, mas o objectivo é o mesmo: criar barreiras hercúleas que impeçam o acesso à profissão. É este o papel das Ordens. Restringir a oferta e a concorrência. Os efeitos de tamanhos obstáculos são óbvios. Já em 1776, Adam Smith escrevia que "os privilégios exclusivos das corporações, os estatutos de aprendizagem, e todas as leis que, em empregos determinados, restringem a concorrência (...) tendem a sustentar salários e lucros a um nível superior à sua taxa natural. Tais sobrevalorizações podem durar tanto quanto as regulamentações que lhe deram origem".

Não vale a pena ter ilusões. As Ordens, e outras corporações profissionais, servem para garantir remunerações anormalmente elevadas aos seus associados, perpetuando os seus privilégios, prejudicando e subjugando o interesse público a interesses privados.


Luís Aguiar-Conraria

via De Rerum Natura

| João Amaro Correia | 9.6.09 |   | / /

learning from alcochete#2

Como deves calcular, António, esta foi uma pouco inocente blague à volta da actualidade política, cultural, arquitectónica e ética, num tema que está na moda e sendo graça coube-me o gesto de te homenagear no teu “gosto” pelo Bob Venturi.
Dizes bem do Learning From Las Vegas como manual de uma certa “openness” do olhar do arquitecto sobre o mundo. É, sem qualquer dúvida, uma das mais bela lições do séc.xx – até no feio poderemos encontrar o bonito, tenhamos olhos para o poder olhar. E transformar. Transformar parece-me a palavra chave desta leitura. Transformar o banal, o feio, o pouco virtuoso, (sim, isto é também uma questão de moral), resignificando-o, em qualquer coisa de belo, único, bom. Todo um programa estético e ético, se porventura a estética não é já matéria ética. Ou de vida.
Tecnicamente até poderemos traçar o paralelo entre o dito alçado com aquelas evocações de velas, com a decorated-shed. Não é aquela estrutura espacial submetida a uma ditadura do programa e depois ornada com a dita metáfora fluvial? Por outro lado, e com um bocadinho de esforço, até poderemos encontrar aproximações da duck-shed com aquelas arquitecturas – e julgo estar a ser generoso no qualificativo daquelas atrocidades culturais como “arquitectura”. Ora, é aqui, neste preciso ponto, em que os architectural systems of space, structure, and program are submerged and distorted by an overall symbolic form, ali Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo, que nos detemos em perplexidade. E depois atravessamos a ponte na verificação de que symbolic form é aquela. E aqui, o pequeno ponto, é já um território vasto de perturbação. Se me é permitido, a questão que se coloca aqui é já ideológica e política. Que symbolic form é aquela e o que é que representa? O que é aquele derrame de nostalgia ruralizante e que valores apresenta e, orgulhosamente, desejará propagar? Enfim, que mundo ali se propõe?
As lições equívocas do Estado Novo a propósito de uma arquitectura popular portuguesa, unívoca e unitária, ainda moram no subconsciente do nosso “mercado” - não esqueçamos que lidamos com o mercado da indústria da construção civil e com o mercado cultural. O “gosto” ali proposto, o mundo ali ostentado, com todas as implicações ideológicas em que incorra, é um mundo fascizante. Perdoe-se-me a força desta palavra mas não se encontra outra para exprimir a carga retrógada, obscurantista, inculta, manipuladora – em sentido ideológico -, revestida num glamouroso e leviano embrulho de “modernidade” e “cosmopolitismo”. Para além do equívoco cultural e arquitectónico que ali se exibe o facto pernicioso que se deverá assinalar é o carácter reaccionário do complexo comercial.
Não é “apenas” a disneylandização do mundo, nem a espectacularização do quotidiano, como referes. Muito para além dessa Las Vegas global, tardo-capitalista, (Las Vegas será aqui um equívoco, pois a sua génese é “popular” e não corporativa), é uma construção que nos permite interpretar um momento exacto da sociedade portuguesa. Provavelmente será isso que nos assustará. Isso e a demissão da arquitectura de qualquer tentativa – tentação – crítica, mas a isso parece que já nos habituamos no nosso “viver habitualmente”, (revisto e aumentado, naquele pedaço de arquitectura).

Sabiamente as “grandes corporações globais” aproveitam estas “modas” do “gosto” local. Não se lhes exigirá uma “moral”, como parece ser moda no novo discurso anti-liberal. O que afirmo é que o ADN arquitectónico do Freeport é, na sua essência, português e contemporâneo. Desgraçadamente Salazar e António Ferro deverão estar a rir-se do outro lado.

| João Amaro Correia | 25.1.09 |   | / /

learning from alcochete

duck

1. Where the architectural systems of space, structure, and program are submerged and distorted by an overall symbolic form. This kind of building-becoming-sculpture we call the duck in honor of the duck-shaped drive-in, “The Long Island Duckling”, illustrated in God’s Own Junkyard by Peter Blake.




decorated shed


2. Where systems of space and structure are directly at the service of program, and ornament is applied independently of them. This we call the decorated-shed.


[Robert Venturi, Denise Scott Brown, Learning From Las Vegas, 1972 + Freeport, Capinha Lopes e Associados, Alcochete]



para o António

| João Amaro Correia | 24.1.09 |   | / /

there may be nothing to do but wait and pray


Severe architectural recession on the one hand, grotesque architectural luxury on the other.

O Bilbao Effect e a recessão.

[Palazzo Versace Dubai]

| João Amaro Correia | 19.1.09 |   | /

this is the glamorous life there’s no time for fooling around

40 anos, calças pretas, camisa preta. Em muitas cidades do mundo este poderá ser o retrato de um arquitecto. Em Pequim também.

Francisca Gorjão Henriques, em Pequim


Mas vale a seguir a digressão da jornalista com o colega (que veste de preto) pela nova Pequim no P2.

| João Amaro Correia | 7.8.08 |   | /

arquitectura explicada às crianças*


"O novo Museu Nacional dos Coches será um edifício com cerca de 12 mil metros quadrados, 14 metros de altura, uma geometria algo abstracta e paredes essencialmente brancas - o branco do casario de Lisboa, nas palavras do arquitecto Ricardo Bak Gordon."

Público, 09.07.2008

*após Jean François Lyotard

| João Amaro Correia | 10.7.08 |   | / /

do viver habitual: pobres, demasiado pobres

ÓRGÃOS NACIONAIS

TOTAL DE MEMBROS INSCRITOS NO CADERNO ELEITORAL – 14 512
TOTAL DE VOTOS EXPRESSOS – 1 937
PERCENTAGEM DE VOTOS EXPRESSOS – 13,3%

TOTAL NACIONAL
Lista A – 1 005 votos
Lista B – 316 votos
Lista C – 544 votos
Brancos – 61
Nulos – 11

No país da apatia, do remanso, da modorra do brando costume, sem espinha dorsal, porque haveriam os seus arquitectos ser excepção?
Extinga-se a Ordem dos Arquitectos.

| João Amaro Correia | 1.3.08 |   | /

Onde param os arquitectos portugueses?

Agora que se repetem as eleições para a Direcção Nacional da Ordem dos Arquitectos, é porventura importante perguntar onde tem parado os arquitectos portugueses nos tempos mais recentes.
Quando há 10 minutos atrás se abateu o silêncio ensurdecedor sobre o facto do primeiro-ministro português assumir a autoria do que podem ser considerados crime estéticos e uma aberração cultural, pareceria lógico perguntar onde param os arquitectos portugueses.
Agora também urge perguntar onde eles param quando, numa espécie de projecção suicida das tendências vigentes entre a população portuguesa, é esperada uma participação de cerca de 15% nas eleições para a Ordem dos Arquitectos.
Falta de auto-estima da classe profissional? Falta de opções? Ou pura falta de interesse? Alguma coisa está certamente em falta.
Face a outras classes profissionais liberais que disputam árdua e publicamente aqueles que vão representar os seus destinos, os arquitectos portugueses espelham bem o estado corrente do país.
Não é de admirar que exista um absentismo absoluto. Com a explosão “democrática” dos cursos de arquitectura, os arquitectos deste país são hoje uma perfeita amostra demográfica do país que temos. E ainda bem.
Porém, o que é eventualmente mais grave é que, apesar da sua formação superior, os arquitectos podem, assim, estar a ecoar a cultura cívica – ou a crise social de que falava a Sedes – com que hoje contamos em Portugal.
Comecemos pela crise.
Não é de excluir a hipótese de que o absentismo eleitoral dos arquitectos se explica por razões bastante prosaicas.
A maior parte dos arquitectos, nomeadamente os mais jovens e desfavorecidos da classe não votam porque... não pagaram as quotas!
E porque é que não pagaram as quotas? Porque estão desempregados ou porque são tão mal remunerados que tem naturalmente que remediar outras necessidades mais básicas. Interessante, não é?
Isto sugere imediatamente que, se estão verdadeiramente interessados na participação eleitoral, os candidatos aos órgãos nacionais da Ordem dos Arquitectos deviam acordar um pacto de regime súbito: uma amnistia – ou, ecoando a extraordinária flexibilidade legislativa portuguesa, uma alteração estatutária temporária – para permitir que todos votassem nestas eleições.
Adiante. Subsistem ainda algumas outras possibilidades para justificar o absentismo geral dos arquitectos.
Também é verdade que muitos dos 16.000 arquitectos a que me refiro estão no estrangeiro. Face a uma tendência autofágica da classe arquitectónica portuguesa – que também lembra outra coisa qualquer – muitos dos arquitectos recentemente formados decidiram, pura e simplesmente, emigrar.
Isto é, o investimento e a permissividade do Estado na formação superior desta classe traduz-se, como já acontecia com cientistas e outras especializações de ponta, em exportação de cérebros ou de mão de obra competente, enquanto por aqui nos vamos lamuriando de desordenamento do território. Interessante, não é?
Esta é, aliás, uma resposta à questão que dá título a este artigo que combina perfeitamente com o equívoco ético e estético que recentemente envolveu o engenheiro civil José Sócrates.
De facto, para quê pagar o custo dos serviços, dos recursos humanos e da competência técnica nas quais o Estado investiu os impostos dos contribuintes, se ainda há por aí uns chico-espertos que dão conta do recado e da paisagem?
Os chico-espertos – que às vezes até são arquitectos pois, afinal, eles também “andem aí...” – saem mais barato, têm uns contactos na Câmara local que “facilitam a coisa” e até foram os primeiros a perceber que mais vale fazer o gosto ao dedo do cliente, que isto não está para modas.
Mas, perguntar-se-á então, a arquitectura não estava na moda?
Depois da celebração e da celebridade de Siza Vieira e de Eduardo Souto Moura, os arquitectos não deveriam andar por aí felizes da vida?
Não adquiriram prestígio social e profissional?
Não obtiveram reconhecimento no “estrangeiro”?
Não tiveram, nos últimos 15 anos, maior exposição mediática interna do que médicos, advogados e engenheiros?
Tendo eu realizado um doutoramento sobre a visibilidade da arquitectura em meios generalistas como o jornal O Público, posso assegurar que todas estas hipóteses são sustentadas e confirmadas por dados objectivos. À excepção, claro, da parte da felicidade.
Curiosamente, em Portugal, a celebridade, a projecção e o prestígio não fertilizaram o campo. Deve ser uma característica endógena. Ou o facto de, apesar das aparências, sermos um país estruturalmente pobre.
As circunstâncias mudam e as conjunturas também e, depois de uma prolongada ascensão demográfica e mediática, os arquitectos portugueses parecem, de novo, ter desaparecido para parte incerta.
Apesar das campanhas do “direito à arquitectura” – já agora, algum não arquitecto ouviu falar disto? – os portugueses ainda não parecem estar dispostos a pagar a mais-valia do serviço arquitectónico.
Isto também justifica a ausência dos arquitectos.
E donde vem o problema? Será que os portugueses não valorizam ou não podem valorizar a sua qualidade de vida ao nível de outros países europeus? Será que não podem, pura e simplesmente, pagar os serviços de um arquitecto preferindo assim entregar-se assim às competências dos chico-espertos? Será que têm de facto a sua própria cultura de gosto e preferem decidir por si? Ou será que a tabela de honorários dos arquitectos é desadequada à realidade do país? Ou serão as regras de mercado que estão a distorcer a oferta e a procura? Ou acontecerá, afinal, simplesmente, que os arquitectos deviam ser pagos por área a edificar e respectivo preço médio oficial de construção em vez de auferirem remunerações que flutuam com o preço final de obra – assim se acabando com muitos jogos de bastidores que prejudicam clientes e destinatários e assim se esvaziando também as distorções deontológicas que fazem com que seja um contrasenso económico para o arquitecto invistir tempo e recursos na redução de custos de obra do seu cliente?
Das mais gerais às mais prosaicas, estas, como muitas outras, são questões que justificam uma tomada de consciência e de posição dos arquitectos e dos seus legítimos representantes face à imagem que projectam de si próprios enquanto classe profissional.
Dado o contexto particular da nossa auto-proclamada “West Coast,” talvez os portugueses ainda não tenham percebido, de facto, qual o papel que a arquitectura pode desempenhar no seu dia-a-dia e na sua qualidade de vida colectiva.
Afinal, a maioria dos portugueses só sabem de longe da vã gloria dos centros culturais desenhados por arquitectos de “qualidade arquitectónica reconhecida” que, entretanto, tem as suas portas encerradas por faltas de verbas, programas e atractivos. E alguns mais iluminados só sabem que se tiverem dinheiro para investir em condomínios privados de luxo é bom que haja um “arquitecto de renome” envolvido.
Visto que assim já sabemos onde param os portugueses, onde param, entretanto, os arquitectos portugueses?
Onde param os candidatos a estas eleições da Ordem dos Arquitectos, esses que devíamos estar a ver e ouvir nos media de massa a exporem os seus programas, as suas opiniões públicas, as suas posições, as suas diferenças, as suas reflexões e proposições sobre o estado da prática da arquitectura em Portugal?
Onde param, neste preciso momento, as luminárias da arquitectura portuguesa, essas que prometeram mais intervenção crítica e social?
Onde param os críticos de arquitectura e os formadores de opinião, esses que, neste preciso momento, deviam estar a contrapor visões e perspectivas sobre o que precisa de mudar nos consensos excessivos em torno das vias únicas que actualmente caracterizam a arquitectura portuguesa?
E, para além dos emigrados, dos desenrascas e dos dignos representantes da geração rasca, onde param esses “ “jovens arquitectos” que constituem a maior parte dos arquitectos inscritos na Ordem e que agora se remetem, como é sua condição geracional mais vasta, a um silêncio comprometido com o status quo?
Por este andar, onde vão parar os arquitectos portugueses?


Pedro Gadanho

[via O Despropósito]

| João Amaro Correia | 28.2.08 |   | / /

uma campanha alegre#3


Tornou-se, pelo menos para mim e para os muitos com os quais vou trocando conversas, muito difícil fazer arquitectura, pelo menos muito mais do que seria desejável.

Não, certamente, pela falta de estímulos, de prazer ou de capacidade de enfrentar os problemas, mas sim pela falta de um enquadramento da profissão claro e mais do que tudo civilizado e ordenado.


[João Santa-Rita, MV na OA]

| João Amaro Correia | 23.2.08 |   |

uma campanha alegre#2


MV na OA

| João Amaro Correia | 21.2.08 |   |

uma campanha alegre


Manuel Vicente na OA
Manuel Vicente no You Tube

| João Amaro Correia | |   |

declaração de voto


Em Manuel Vicente é a liberdade e a possibilidade que ordenam o discurso. A ordem contingente do mundo, das coisas, é pretexto e motivo para a descoberta do próprio mundo. A liberdade e o uso da liberdade é a inclusão da contingência na palavra a na acção. Dela extrair sentidos, ou não, e em consequência da responsabilidade da liberdade, produzir novos significados para o mundo e para a existência.
É por isto que a arquitectura é para Manuel Vicente um acto de produção cultural. Não mera junção, justaposição, sobreposição de Dec. Lei, regras, planos, técnicas, pensamentos. Será tudo isto, incorporado a priori no que é um pensamento arquitectónico, feito de arquitectura, feito de amor às coisas terrenas, profanas, numa tentativa indizível de alcançar o sagrado. O deus que se esconde nas pequenas coisas. Numa luz inclinada, numa parede pintada, numa caixilharia de alumínio anodizado, que, pela manipulação, a podemos tornar um pouco mais que uma caixilharia de alumínio anodizado igual às outras todas da Segunda Circular.
É nessa liberdade, de que são inclusos o riso, a ironia, a irrisão, que aguça a nossa percepção de nós mesmos e nos situa no sítio das coisas do mundo. E em que a arquitectura é quase uma ontologia de existência.

Colaborei com Manuel Vicente durante um ano. Foi a época mais marcante da minha formação. Numa espécie de complexo de Édipo, ainda hoje, a cada linha, cada folha de papel, suspeito que resida alguma ansiedade de lhe fazer jus. De, pela arquitectura, chegar a poder ser tão homem quanto está ao nosso alcance ser.
Voto Manuel Vicente.

| João Amaro Correia | 19.2.08 |   |

intenção de voto

MV na OA.

| João Amaro Correia | 17.2.08 |   |

vamos, então, por partes

Reconhecendo a mistura de questões aludidas no post anterior, e que, por lealdade, o devo ao António.
O leitmotiv do post foi as várias notícias que têm vindo a lume nas semanas recentes e que culminou com a revelação das assinaturas ilícitas em projectos de engenharia/arquitectura, do nosso primeiro-ministro, (só este nubloso conceito arquitectura/engenharia, a propósito das assinaturas ilegítimas do primeiro-ministro, que existe ao arrepio da clarificação de competências, deveres e responsabilidades, no processo de projecto, é paradigmático da desordem em que os arquitectos e engenheiros actuam).
Mas esta semana, no que à prática profissional da arquitectura diz respeito, começou na semana passada com a notícia da repetição da eleição dos órgãos sociais da Ordem dos Arquitectos, por ordem da “decisão expressa no acórdão de sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa”, dando razão aos argumentos do arquitecto Manuel Vicente. Ou seja, aparece-nos esta semana na imprensa matéria mais que suficiente para questionar-mos a actuação e, mais radicalmente, a necessidade da existência de uma Ordem dos Arquitectos.
Vamos, então, por partes.

Ao longo dos últimos 33 anos o pior inimigo da arquitectura e dos arquitectos foram os próprios arquitectos. Por diversos motivos, uns que os transcendem, outros que são de sua responsabilidade, somos chegados a um ponto de absoluto divórcio entre o que são os propósitos da OA - “contribuir para a defesa e promoção da arquitectura e zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de arquitecto, promovendo a valorização profissional e científica dos seus associados e a defesa dos respectivos princípios deontológicos” – e a realidade da prática da profissão. A justa batalha do 73/73 não servirá para encobrir a imensa zona de acção dos arquitectos de que a OA tem estado alheada. E ainda assim temo que a batalha do 73/73 seja vista mais como uma defesa corporativa de interesses – o alargamento do mercado de trabalho, via secretaria – do que a tentativa de reconhecimento da arquitectura como bem público que a todos os cidadãos diz respeito. E a cada novo problema que surge na prática profissional a OA tem acudido tarde e a más horas, e sempre com um vigor legislativo e impositivo eivado de vícios mais condizentes com um estado corporativo do que com uma democracia liberal que faz da livre iniciativa e do risco forças motrizes do progresso social. Comecemos pelo início

O acesso à profissão e os estágios profissionais.
A partir dos anos 1990 o número de estudantes de arquitectura aumentou exponencialmente. Em pouco mais de 20 anos passamos de uma situação de inexistência de arquitectos no território, cerca de 2000, que não respondiam às necessidades do mercado da construção – e daí o Dec. 73/73 - para um número superior a 10000 arquitectos. Evidentemente num mercado exíguo e limitado haverá quem não tenha trabalho. E naturalmente a quantidade não será necessariamente proporcional à qualidade. Daí a tentativa da OA impor alguma ordem no acesso à profissão. Só que o faz em termos que contrariam a liberdade individual e a própria Constituição da República. Passando alguns discursos que defendem o absurdo da atribuição de números clausos e o estreitamento do acesso a aos cursos de arquitectura que não seja por (de)mérito dos candidatos, discursos assentes numa suposta defesa do interesse público e das próprias vidas desses vindouros arquitectos, mal disfarçando o temor da concorrência aberta, a OA prevê que apenas possam aceder à profissão indivíduos que ela própria credita. A situação de monopólio é intolerável, não a desculpando um suposto interesse público que a OA ostenta. O interesse público é da arquitectura e não da instituição OA. Ou seja, em vez de se aligeirarem os trâmites de acesso à profissão, erguem-se burocraticamente obstáculos à livre concorrência. Numa república de boa-fé, a simples acreditação pelo Ministério do Ensino Superior, ou por uma putativa Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior, dos cursos leccionados, seria suficiente para o reconhecimento do percurso académico do indivíduo que deseja ser arquitecto. Mas a nossa proverbial desconfiança no Outro e nas instituições faz-nos complicar aquilo que aparentemente é simples.
Os procedimentos exigidos aos estagiários têm como destino a dispensável acumulação de papelada e o desprendimento burocrático dos “patronos” sobre os estagiários, muitos deles tratados como escravos, a custo 0, qual carne para canhão que daqui a 9 meses haverá mais uma fornada de carne fresca para alimentar os escritórios estabelecidos. O atmosfera de fundo é a da desconfiança e do medo. Desconfiança na credibilidade dos cursos ministrados e nas capacidades técnicas dos recém-licenciados, o medo das hordas de jovens ávidos de sucesso nesta profissão.

O trabalho em regime liberal.
Trabalhar em regime liberal é entrar na selva. Nesta profissão, neste país, é o espelho daquilo que somos enquanto sociedade.
A escassez de trabalho e o fenómeno recente da concentração do trabalho, conduz-nos a uma situação que divide os arquitectos entre os grandes escritórios, vulgo tubarões, e os escritórios de vão de escada que se alimentam de moscas.
Angariar trabalhos, para os pequenos escritórios, é uma peripécia quase ao registo Buster Keaton. É ter que lidar com clientes que fogem para os braços de colegas, concorrentes, que de dentro ou na teia das câmaras, sabem “fazer as coisas”. É ter que concorrer com assinaturas ilícitas que defendem tudo menos a arquitectura. É tentar concorrer com estruturas que já têm a mecânica dos interesses bem oleada. É fazer arquitectura como quem enche chouriços, com todo o respeito pelas chouriceiras.
Ou é ter que trabalhar anos a fio, por conta de outrem, a passar um recibo verde que corresponde a um futuro cinzento.
Por isso é que a cada nova obra com interesse arquitectónico que (ainda) vamos descobrindo por estas estradas nacionais fora, assistimos a um pequeno milagre da vontade e de quase excepcionais cruzamentos do destino, que deveriam ser a regra.

O trabalho no regime de funcionalismo público.
Os mal amados pelos arquitectos que trabalham em regime liberal. Quer por culpa própria, quer por uma realidade que os ultrapassa, são o elo mais fraco na cadeia dos licenciamentos de projectos de arquitectura. Vivem numa espécie de limbo, entre as muitas pressões políticas que se lhes sobrepõem e a teia legislativa que os sobrecarrega na avaliação técnica de um projecto de arquitectura.
Quer trabalhem em autarquias, quer em instituições públicas com deveres no licenciamento de projectos de arquitectura, a galáxia legislativa é de tal modo densa e complexa – e com os inevitáveis buracos na lei – que os miríficos 30 dias para emissão de um parecer sobre o projecto em avaliação, previstos no Dec. Lei 555/99 de 16 de Dezembro, são apenas isso: uma miragem que tem pesadas consequências tanto a montante como a jusante do momento da apreciação. E com evidentes efeitos na qualidade da prática da arquitectura, na paisagem e no ambiente do nosso território.
E nos buracos da lei vamos vendo os arquitectos, funcionários públicos, que se “sabem mexer”, alargando uma teia de influências e pequenos poderes discricionários que chegam ao ponto de recomendar determinados escritórios de arquitectos como condição para “aligeirar” as demoras em projectos que envolvem sempre muito dinheiro. Uma espécie de chantagem corrupta que, como um eucalipto, absorve tudo à volta: o trabalho que vai aparecendo para arquitectos “de fora” e que é desviado para estes esquemas imorais de assinaturas ilícitas ou traficadas, a idoneidade de colegas que são encobertos pela suspeição generalizada, a ineficiência da administração pública.
Em última análise, bastaria o Termo de Responsabilidade do técnico para o deferimento de um processo e um vínculo de exclusividade dos arquitectos que escolhem uma vida de serviço público. Uma forte componente fiscalizadora, por parte das autarquias, a jusante desse deferimento. Consequentemente haveria um curto-circuito nos processos, a eliminação de burocracias, a remoção das influências políticas no sector das construção – remetendo a política para aquilo que deverá ser a sua competência, na definição de estratégias de desenvolvimento urbano integrado – o fim da casuística como ponto cardeal da aplicação Planos Directores Municipais, a impossibilidade de tráfico de influências “dentro” das entidades a quem compete a emissão dos pareceres.
A lei e os seus labirintos, num Simplex, a partir de Março, feito na voracidade de uma superficial “reforma da administração pública”, que apenas produzirá mais equívocos e canais abertos à pequena corrupção. Que em vez de responsabilizar cada vez mais o técnico dos projectos, diminuindo o volume de requerimentos e imposições legais, de obstáculos, que distanciam e desresponsabilizam os técnicos que “assinam” os projectos, e proporciona a discricionariedade de muitos serviços administrativos. A lei e os seus labirintos, que conduz promotores e construtores à certeza de verem o retorno dos seus investimentos e que não os querem ver "parados" por coisas tão insignificantes como a arquitectura.

São alguma inquietações que pelos vistos não chegam ao altar da OA. Perdida nos “banhos de S. Paulo”, no glamour da vernissage, numa torre de arquitecturas virtuais, alheada das dificuldades com que os arquitectos se deparam quotidianamente, em prejuízo da arquitecura, do ambiente, e do bem público. É por isso que é pertinente questionar a necessidade de uma Ordem.
Não há aqui virtuosos ou maldosos. Ou melhor, há-os tanto como em qualquer outra profissão, e na arquitectura, tanto os há no regime liberal como no funcionalismo público. O que há aqui é uma batalha ética que tem de ser travada, primeiro dentro da classe, para depois a Ordem poder alegar autoridade na mais ínfima matéria. Só depois disso.

| João Amaro Correia | 2.2.08 |   |

câmara corporativa


assinatura José Sócrates



A existência e actuação da Ordem dos Arquitectos decorrem da necessidade sentida pelos profissionais da arquitectura em responder às exigências de um mercado de trabalho e da construção abertos e da pressão que o número cada vez maior de diplomados em arquitectura exerce sobre o mercado de trabalho. Como associação de interesse público tem deveres de “defesa e promoção da arquitectura” e não da classe. Mas o que tem relevado da actuação da OA é, apenas, a defesa dos interesses corporativos. A defesa dos arquitectos e não a “defesa e promoção” da arquitectura.
A intransigência e os obstáculos ao livre acesso à profissão, em conflito com o que garante o quadro constitucional, o autismo na forma como encara o exercício da profissão, numa perspectiva exclusivamente corporativa, o alheamento dos vícios que acometem a prática profissional, têm servido, exclusivamente, para a manutenção do status quo, que, prova provada na nossa paisagem, não tem feito juz à alínea a) do Artigo 3º dos estatutos da OA.
O caldo cultural em que o arquitecto actua é, regra geral, o da pequena corrupção, do “natural” tráfico de influências, da fraude da assinatura de projectos de outrém. À primeira vista a consequência destas práticas não será mais que o mesquinho enriquecimento de algumas carteiras. Mas os efeitos perversos sobre a qualidade do construído, da arquitectura, têm graves custos quer ambientais, quer arquitectónicos, quer paisagísticos, quer políticos, quer económicos. São práticas que decorrem da falta de transparência e lisura nos processos de licenciamento e na actuação do arquitecto.

Numa sociedade liberal o acesso à profissão não deve ser regulamentado pelos pares, que, muito naturalmente, não quererão mais concorrência. Se existem cursos, licenciaturas em arquitectura, acreditados pelo Ministério do Ensino Superior, parece prova suficiente na credibilidade dos próprios cursos. Por outra, os estágios profissionais são também uma forma de garantir o auto-financiamento da OA, dever a que está obrigada pelos estatutos, e, mais pernicioso, a criação de um contingente de quase-escravos que a custo 0 ou quase 0 são absorvidos pelos ávidos escritórios de arquitectura. Em nada estes pequenos fait-divers promovem a arquitectura. Os próprios cursos na OA a que um estagiário está obrigado a frequentar são jogos florais da arrogância da classe, na tentativa de manutenção do poder. Para além de, paradoxo, obrigar um estagiário – por definição, sem possibilidades materiais - a custear com cerca de 300€ a famigerada “acção de formação”.
Estágio feito, número profissional adquirido, o mercado de trabalho abre-se ao novel arquitecto. O mercado de trabalho dos recibos verdes durante décadas, sem a mínima protecção social, ou, se a opção for o regime liberal, a incerteza e angústia matinais, todos os dias, na esperança vaga de encontrar trabalho, ou o funcionalismo público.
“Cá fora” a selvajaria impera, e a tão propalada deontologia profissional que a OA tanto reclama é no mínimo uma nota de rodapé da prática profissional, ou se quisermos, uma anedota. Arquitectos funcionários públicos que não têm pejo em assinar projectos de arquitectura em regime liberal – não é crime, mas é imoral. O carrossel pernicioso que é o mero cálculo de honorários. A dança das assinaturas – exemplarmente ilustradas pela actuação do primeiro-ministro aquando do seu exercício da profissão de engenheiro técnico - a troco de uns trocos. São práticas correntes que corroem a “defesa e promoção” da arquitectura.

Se arquitectos, em jogos à sombra dos corredores do poder - autárquico e institucional - persistem em minar o mercado de trabalho, se arquitectos patrocinam a arquitectura de outrém, arquitecto ou não, em coreografias de nomes e assinaturas, se arquitectos se permitem a fazer dumping e elaborarem projectos com custos inverosímeis apenas porque repetem o desenho projecto em projecto sem qualquer esforço, se arquitectos continuam a exigir recibos verdes a outros arquitectos “colaboradores” anos a fio, se arquitectos se limitam a cumprir aquilo que Pina Moura chamou “ética republicana”, simbolicamente legal mas moralmente perniciosa, se a OA permanece alheia a isto tudo, para que, de facto, serve então uma Ordem?

| João Amaro Correia | 1.2.08 |   |

mestre/discípulo

Ao Lourenço


Longe vão os tempos, em Lisboa, no ofício da arquitectura, onde corriam estórias, lendas, da organização de alguns ateliers – quando o espaço de trabalho era também um conjunto de rituais de passagem da experiência e do saber dos mais velhos, os mestres, para os mais novos, os aprendizes.
Ocorrem-me os ateliers de Teotónio Pereira, no auge com Nuno Porta, laboratório de experiências que ainda hoje nos assombram; Conceição Silva, que agregava à volta alguns jovens turcos, onde sobressai Tomás Taveira; Frederico George, e o prolongamento da academia na praxis – ou a academia como resultado da praxis destes ateliers. Presumo que seriam as excepções.
A regra talvez fosse o atelier ainda não no vão de escada mas talvez no primeiro patim de entrada. Conquanto a natureza humana não se altera no espaço de duas ou três gerações, e admito que não se transforma de todo sem muita porrada e fugazmente, preciosidades vão-se encontrando por essas estradas fora, onde reconhecemos a tutela do Modernismo via International Style via a releitura do cânone a partir destes atelies(-escola).
Os tempos eram outros, e sobretudo, a escala seria outra. A escala da procura, a escala do tempo – quer de projecto e sobretudo da indústria – a escala, porventura mais à nossa medida, à medida do corpo humano, do fazer cidade.
O arquitecto trabalhava sobre o estirador e sobre o estirador se estendiam a esperança numa arquitectura ainda redentora e transformadora, cumplicidades necessárias para fugir ao dictact estético do regime, muitos livros – os poucos que cá chegavam – e muita reflexão sobre a natureza do ofício. Acredito que o estirador fosse o lugar da exaltação e da descoberta.

Exaltação e descoberta encontrei eu quando a minha biografia se cruza com a de Manuel Vicente. Provavelmente o último atelier-escola desta cidade.
“Dia fora, noite dentro”, lá estávamos, até às 4 da manhã a tentar resolver uma casa-de-banho que sabíamos à partida abandonada pelo dono de obra, a alterar estereotomias para adequar o novo azulejo escolhido à geometria do desenho. As horas passavam, entre uma caralhada, um jogo da taça, derrota às mãos do Acosta vituperado pelo Mestre, e muito trabalho e muita conversa sobre o trabalho. Foi com Manuel Vicente que descobri a capacidade transformadora da arquitectura já não sustentada em utopias fúteis e vãs, mas na realidade, mais suja e mais bela que qualquer desiderato intelectual de perfeição. E a radicalidade da beleza é o optimismo da profissão. Foi a minha revista Gina da arquitectura, foi ali, com Manuel Vicente vislumbrei a necessidade de um ofício como o do arquitecto, despojado do totalitarismo estético que hoje nos cerca e assumindo o optimismo numa humanidade que sabemos imperfeita.
Com Manuel Vicente aprendi que não precisamos de matar o pai, ou sequer de lhe prestar freudiana atenção. Porque tudo, mas tudo, pode ser o pretexto para a arquitectura.
Tive a sorte do riso.

| João Amaro Correia | 7.1.08 |   |