Todas as razões aduzidas (contra ou a favor) a candidatura de Pedro Santana Lopes à presidência da Câmara Municipal de Lisboa não são excluídas de um ruinoso calculismo político onde não cabe uma única ideia para a governação da cidade.
PSL é um espectro. Fantasmático, a sua sombra é um lugar frio. Paradoxo da sua natureza errante: aos fantasmas não é reconhecida a possibilidade da privação da luz. Mas não nos afastemos para a ingenuidade e reconheçamos que PSL é um enigma que o PSD e os lisboetas têm que necessariamente resolver, sendo sua jaez, precisamente, enigmática. PSL congrega 1/3 do partido. PSL tem capacidade de se insinuar noutros eleitorados mais dados à volatilidade – e são os tempos voláteis. PSL é o herdeiro e maior executor de um programa político que se caracteriza pela ausência de rumo, pela ligeireza programática, pela agilidade oratória, pela docilidade fútil, pela falta de rigor, pelo populismo, pela demagogia. O seu a seu dono, será tão transparente como o seu espectro, ao contrário da sua némesis, José Sócrates, ínvio e borderline. Em certa medida PSL é o pathos do ser português: a chico-esperteza, a bonomia, o sentimentalismo, a alegre ignorância, a redução da vida a um “viver habitualmente” sem grandes maçadas. Talvez mesmo por isto colha em largas fatias do eleitorado.
Ainda que nos afastemos do artifício foguetório de Slavoj Žižek, com ele nos cruzamos na afirmação da necessidade imperiosa de debate público nos tempos que correm. Sobretudo nos tempos que correm. Em que o debate público é eivado de demagogia, em que o poder é reduzido ao exercício do o alcançar e manter, em que a coisa pública é privatizada. É a resposta possível à chistosa acusação feita pelo populismo, que não admite qualquer possibilidade de pensamento para além da vulnerabilidade das massas. É a resposta possível à demagogia corrente que dissolve qualquer discurso mais espesso que um écran LCD. É a resposta possível à recorrente estigmatização do intelectualismo e dos intelectuais, segundo o populismo, dedicados mais à pastorícia vita contemplativa do que à primaz vita activa que o zeitgeist exige.
Entre as incertezas à esquerda - que não se revê no pragmatismo desideologizado e interesseiro de Sócrates, que se deseja aconchegar no regaço do bluff Manuel Alegre, (30 anos no quentinho parlamentar e ainda se permite a grandiloquentes declarações de princípios) - e a fragmentação da direita - entre o cada vez mais desamparado culto da personalidade a Paulo Portas e a incapacidade de Manuela Ferreira Leite regenerar o PSD da insanidade populista/basista que o acudiu até há pouco tempo - abandonamo-nos à nostalgia do que poderia ser, finalmente, um debate sério profícuo sobre o que é Lisboa e o que se quer para Lisboa. E à previsibilidade de mais quatro anos do pântano pseudo-tecnológico que este governo ficciona como que para elidir o imenso provincianismo do seu chefe.
Mais ideologia, menos pragmatismo. Seria imperativo, político e moral, que a direita se apresentasse no próximo ciclo eleitoral com um projecto decente, ideologicamente sólido, estruturado numa ideia de país liberto do peso do Estado e no fortalecimento das liberdades individuais. A começar por Lisboa.
O problema de Lisboa, e que decorre da relevância da capitalidade, é servir de tirocínio para voos nacionais. Não cremos que António Costa refreie a sua ambição política aos passos do concelho sem pensar na era pós-Sócrates. E será de ciência duvidosa a promessa de um PSL comprometido com a cidade antes da sua sobrevivência política, (uma espécie de comeback kid dos pobrezinhos), e dos seus interesses particulares (tão estáveis como a geometria do vento).
Lisboa encontra-se num momento crucial na redefinição da sua identidade. Desabitada, envelhecida, abandonada, suja, pouco mais lhe resta que o Sol reflectido no Mar da Palha. Talvez não seja pouco, neste Inverno.
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