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ladies & gentlemen, Humpty Dumpty has just left the building


[Museu Fundação Oriente, Carrilho da Graça, 2008]


A distância entre a Ideia e a nossa percepção do mundo real é imensa. A essa diferença era em Platão o espaço. E o limite é espaço - espaço intersticial. O espaço do limite, ainda que sem extensão, é espaço: o espaço da geometria. E a geometria medeia a inacessível instância de Ideia e a realidade do mundo. O espaço, que não existe, torna-se. Devém pela desocultação. Pelo labor do geómetra que percorre o espaço entre as coisas, as descobre e lhes atribui o nome. É este o momento, este entre-dois, que se reconhece a realidade. A evidência que se revela.
A percepção do espaço implicará a criação contínua de espaço, um outro. Espaços múltiplos, contínuos, contíguos, separados, diferenciados, arrastados, nunca concluídos, na luz e na sombra. E inventamo-los pela luz e pela sombra. E esse é o ritmo da transformação da matéria.

Humpty Dumpty, sentado no alto fino muro, proclama o enclausuramento das palavras. Das coisas. Paradoxal com a sua precária situação no mundo, o seu corpo, sem juntas, sem dobras, com um limite unívoco, induz-nos ao erro das coisas fechadas.
O desejo do Museu da Fundação Oriente é esse. Fechar-se, ocultar-se, fixar-nos num mundo sem juntas e sem dobras, um mundo onde tudo é ‘complanar’. E, em rigor, o rigor autoritário do projecto de execução, eleva ao paroxismo a proposta do corpo do Humpty Dumpty. Precária situação no mundo.


Que lugar estranho para os The Bad Plus ultrapassarem os limites da convenção e demolirem o que faz diferir Stravinsky de Thelonious Monk de Aphex Twin de Kurt Cobain.

| João Amaro Correia | 12.10.09 |   | /

av. dom joão ii#2


Labirinto, máscara, espelho: as metáforas de Nietzsche são o canto do lamento e da perda inelutável com que a modernidade o intima. A matéria que enforma o espírito e já não o fulgor impalpável – irracional – na constituição do mundo.
Gémeas, máscara e labirinto, são as imagens, simétricas também, que o filósofo empresta à arquitectura. O disfarce epidérmico e hipócrita ou a abundância labiríntica do pensamento e da construção. Devoção dionisíaca ou ódio aos insuportáveis filisteus no ataque aos refúgios inautênticos do quotidiano.
E depois há os espelhos de Veneza, as suas profundas solidões e depois as cidades, já transformadas em ‘sistemas de solidão’ por Tafuri, na profusão indiferente de sinais e pistas e rastos e traços, elididos a cada colisão fortuita.

| João Amaro Correia | 29.9.09 |   | / / / /

av. dom joão ii


Todos os dias: de método e prática o pragmatismo torna-se metafísica, verdade quase indizível.

| João Amaro Correia | |   | / / / /

do pavimento


Johnny's in the basement
Mixing up the medicine
I'm on the pavement
Thinking about the government


[Subterranean Homesick Blues, Bob Dylan, 1965]




A vida minúscula do Outono anunciado, sobre o pavimento de betão a imitar pedra.
São estas coisas concretas que constituem o nosso mundo dado, interligadas de modo complexo e por vezes contraditório. Os fenómenos compreendem outros: a floresta compreende as árvores, a cidade compreende os edifícios. Fenómenos meio de fenómenos: a paisagem; um termo concreto de meio é lugar.
Actos e ocorrências, acontecimentos e incidentes, têm lugar. É difícil imaginar algum acontecimento sem a referência ao lugar. Referimo-nos a lugar como algo mais que uma localização, situação, abstracta: queremos dizer a totalidade feita de coisas concretas que têm substância material, forma, textura, cor.


Atrás, encostado aos sacos do lixo, Allen Ginsberg, HOWLing.



pequeno milagre, para a Clara

| João Amaro Correia | 21.9.09 |   | / /

o mundo é plano


Como um ícone, a arquitectura – os arquitectos – desejam, através da imagem, erguer-se do tempo que devora e da memória que obscurece. Artefacto da vaidade, liça da trivialidade doméstica – sobre o tecido (metáfora ao gosto da classe) mudo onde se derrama o desejo, a cultura, o mundo, ínfimas nódoas que constituem o quotidiano. A imagem condensada – presumimos que seja essa a pretensão - , pretende ser o século e o lugar, o tempo e o modo, sintetizados numas poucas toneladas de betão e ferro e vidro, tão iguais em todo o lado. É um desejo secreto e não dito, escapar a alguma irrelevância, que não neutralidade, que as coisas devem adquirir.
A arquitectura do ícone - o arquitecto do ícone - detesta a cidade. Exalta-se, inefável e narcísica, na auto-contemplação indulgente a que se permite chamar representação do mundo.


[Lisbon architecture graffiti by Someone - a rogue architecture student?, Pedro Gadanho, via SpaceInvading, via iconeye]

| João Amaro Correia | 17.9.09 |   | / / /

interstícios: subsolo


Dir-se-ia, pelo exemplo, que as infra-estruturas são o que de mais importante existe numa cidade.

Lisboa underground, Pedro Mexia.


Viagem entre a vida e a morte pelas entranhas de Lisboa, Alexandra Lucas Coelho.

[Deixem Passar o Homem Invisível, Rui Cardoso Martins, 2009]

| João Amaro Correia | 10.9.09 |   | /

o discurso de Lisboa


Paulo Varela Gomes

| João Amaro Correia | 9.9.09 |   | /

espaço político - do facebook ao campus da justiça

As notícias de Teerão disseminam-se através Facebook, Twitter, blogs, sms. A organização da resistência, virtual, expande e convoca e provoca a luta, real, pelo espaço público da cidade iraniana. O confronto violento entre as milícias Basij e os manifestantes da oposição ocorre no domínio físico da polis depois de disseminada no reduto da internet. O espaço público, da democracia e do confronto livre, manifesta-se, experimenta-se e atravessa o Facebook e a Praça Enghelab num trânsito de difícil controlo. Entre a rede e a arquitectura, entre a ininterrupta ligação e o espaço físico dividido – a arquitectura na sua ontologia é a compartimentação e hierarquização - a cadeia dos acontecimentos cede dos ecrans vertiginosos à luta corpo-a-corpo da e na rua. A arquitectura, como escolha, decisão, é o vínculo ideológico com o espaço. Um modo político de o nomear.

O carácter representativo da arquitectura é (sempre) manipulado ao serviço das ideologias: o Reich e a trágica fantasia da Welthauptstadt Germania perpétua, num discurso imutável e facilmente reconhecível pelas gerações; Stalin e a ostentação dos feitos heróicos soviéticos – em reacção à utopia imediatamente anterior da modernidade inapelável do Palácio dos Sovietes e da antropologia optimista do construtivismo; Wright e a quimera do automóvel que transportaria em si a liberdade individual; Le Corbusier e o homem novo na cidade radiosa, asséptica e monstruosa; Mies Van der Rohe e o encanto pela ‘transparência’ das grandes corporações capitalistas; o paroxismo whore de Philip Johnson no frontão furado do AT&T, Rem Koolhaas e a mala de truques do marketing e do bombardeamento imagético; da Cidade Universitária ao Portugal dos Pequeninos; de Raul Lino ao Bairro das Estacas. Uma lata de sopa de tomate, uma revolução. A moral é a amoral. Mas é da essência da arquitectura não ser neutra e ter com a realidade relação expressiva e comunicativa. E transformadora.


Recém inaugurado, o Campus da Justiça, é o nosso mais recente equívoco arquitectónico, político e simbólico. A começar pelo nome, Campus da Justiça, que nos transporta a um ágora específico onde é concentrada a administração da justiça democrática que o deveria ser por todo o território servido pelas leis do estado democrático. Não será preciosismo, o nome. Como o não é a referência à apressada reconversão programática de um complexo estruturado para receber escritórios e serviços num lugar que deveria revestir-se de alguma gravitas –aludir exclusivamente as especifidades programáticas, esse diktat muito moderno, não será o melhor trilho crítico - , ou o fervor, quase libidinal, da ‘eficácia’ concentracionária dos serviços judiciais que revela a profundidade extensa da ideologia da ‘técnica’ que devora qualquer hipótese de uma ideologia de Cidade aberta.
Plantado na monocultura de serviços do Parque das Nações, num território adormecido e instrumentalizado pelo zoning negligente do nosso urbanismo tardo-moderno, afastado do núcleo denso da cidade – e a cidade é densidade, multiplicidade e diversidade – cresce, longe da cidade e dos homens que supõe servir.
A arquitectura segue a rota do ‘tardo-capitalismo’ nacional e desta maneira impensada de construir as cidades. Umas mediocridade em ‘volumetrias’ ‘puras’, ‘transparentes’ – como os escritórios?, como a justiça de uma sociedade aberta? - ‘áreas generosas’, ‘open-spaces’, ‘arranjos exteriores’ de uma austeridade vulgar e comezinha.

O boicote de um grupo de juízes à inauguração do Campus da Justiça foi, antes de tudo, uma crítica à arquitectura e à polis que nela tem lugar e que reciprocamente a ergue. (Foi ao mesmo tempo comovente e confrangedor assistir ao depoimento de um juiz que trouxe consigo umas cadeiras antigas do Tribunal da Boa Hora na tentativa de acertar com o ‘espírito do lugar’.)

Poder-se-ia chamar aqui Habermas ou Bauman ou Jameson ou Vidler ou qualquer outro pensamento contemporâneo do espaço público e das relações essenciais entre o espaço, na sua conformação, e a qualidade da democracia, mas não se exagere. O Campus da Justiça é capaz de ser apenas mais um sintoma do deslumbramento tecno-provinciano do Primeiro-Ministro. Que nos representa exemplarmente.


para o Domingos Miguel

| João Amaro Correia | 24.7.09 |   | / /

Rua da Bica de Duarte Belo


A Bica é linda.

| João Amaro Correia | 21.7.09 |   |

câmara café de lisboa

- Os tipos do Porto pensavam que eu era de Lisboa. Tive que lhes dizer ‘oh meus amigos, aquilo que mais gosto em Lisboa são as duas pontes e o aeroporto’.
- A única coisa de jeito aqui em Lisboa é o casino. E nem é bem em Lisboa. É no Estoril.


O diálogo, impregnado de uma profundidade midlle-class-viril-imbecil, entre dois cidadãos que trabalham em Lisboa – presume-se que vivam em Lisboa ou num dos seus subúrbios – que recorrem à bazófia altiva como subterfúgio da desresponsabilização. Vivem num lugar que lhes não interessa que não seja pela extracção de uma parca prosperidade que lhes garanta sustento e visitas ao casino. Ostentam o desprezo pela cidade no elogio da sexta-feira escapista: ‘que nunca mais chega’.
‘Somos todos de fora de Lisboa’, diz-se. Poucos somos os de terceira, quarta, geração de lisboetas. Muitos por necessidade, poucos pelo desejo. (As razões explicam-nas facilmente a economia, a sociologia, o deformado desenvolvimento regional e a ausência de coesão territorial. E a cultura.) A maior parte indiferente, legitimamente indiferente, diga-se, à cidade. Porque a cidade, esta Lisboa contemporânea, é mero dispositivo utilitarista. Porque é reduzida a uma cidade de serviços, a um imenso escritório de trânsito congestionado em frente ao Mar da Palha.
Deste oceano de desprezo releva o deserto, a apatia, a renúncia à polis e à comunidade. Se não somos lisboetas, também já não somos da ‘terra’. O que é um óptimo motivo para que a quem tudo o que seja excluído do umbigo seja também indiferente e irrelevante. Mesmo que seja o lugar onde passa a maior fatia das horas do dia.
Falha o desejo de a habitar (plenamente), falha o desejo de a transformar.

| João Amaro Correia | 15.7.09 |   | / /

arquitectura do aborrecimento mortal*


[Banco Big, Sua Kay, Av. 24 de Julho, Lisboa, 2009]

*após Peter Brook

| João Amaro Correia | 22.6.09 |   | /

royal privilege

É, de facto, verdade: é o melhor bairro do mundo.

| João Amaro Correia | 3.6.09 |   | /

um pequeno incómodo


A matéria posta em prática em lúdica combinação da ordem vertical que sustenta a linha horizontal do céu do rio do passeio público. O rigor mecânico que as junta e ao ferro e ao vidro atraiçoado pelos artifícios da indústria do silicone que hesita – é de seu mister oscilar – ao ritmo da passagem das horas e das estações.
Tudo severamente ordenado, imaculadamente pintado em branco obcecado, e o chão já branco-sujo pela marcha da visita guiada à boa vida da arquitectura.
Rebarbativa, num ensaio de optimismo autista, a caixa torna-se desprotegida no seu excesso minuciosamente despido. Kitsch de reflexos que encadeiam os olhos desprevenidos e ouvidos mais prudentes.
Fartos de sentimentos decorativos e vãos, que se orgulham da sua amplitude pitoresca e frívola, já não esperamos que a arquitectura nos proporcione mais do que a inconsequência de um pequeno incómodo quotidiano.

[Esplanada na Doca do Bom Sucesso, Lisboa, Bar "À Margem", João Pedro Falcão de Campos e José Ricardo Vaz]


para a Maria João


adenda: Tem razão o prezado leitor. Corrijo o equívoco em que fui induzido. A esplanada "Á Margem" é, de facto, dos arquitectos João Pedro Falcão de Campos e José Ricardo Vaz. Aos visados o meu pedido de desculpa.

| João Amaro Correia | 26.4.09 |   | / /

urbanidade

No recuperado quiosque do Príncipe Real sou atendido por uma jovem e elegante senhora que, entre cafés e abatanados, vai lendo a Era do Vazio.

| João Amaro Correia | 17.4.09 |   | /

parq life





[Ginásio da Faculdade de Ciências, Rua da Escola Politécnica, Lisboa]

| João Amaro Correia | 5.4.09 |   | /

sugestão ao Metropolitano de Lisboa para a Estação de S. Sebastião


[Metropolitano de Estocolmo]

| João Amaro Correia | 26.3.09 |   | / /

olhar o chão#3


[Reverse Processing, Cement Transplant, East River, NY, 1970, Dennis Oppenheim , 1978]

| João Amaro Correia | 20.3.09 |   | / / /

olhar o chão#2


[Vertigo, Alfred Hitchcock, 1958]

| João Amaro Correia | |   | / /

olhar o chão


[On The Waterfront, Elia Kazan, 1954]

| João Amaro Correia | |   | / /

moral kiosk*

E o mundo começa com o jornal.
E falha-me o quiosque do Príncipe Real. E falha-me o mundo.


*Moral Kiosk, REM

| João Amaro Correia | 8.3.09 |   | /