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absurdo abrigo


Assim como o espaço rodeado por quatro paredes tem um valor específico, provocado não tanto pelo facto de ser espaço mas pelo de estar rodeado por paredes.


[The Deer Shelter, James Turrell, 2007 + Perto do Coração Selvagem, Clarisse Lispector]

| João Amaro Correia | 11.9.09 |   | / /

sul


Manuel Amado

| João Amaro Correia | 6.8.09 |   | /

Zaratustra odiava as cidades



Uma das evidências dos lugares é a arquitectura. O espaço construído no lugar, do lugar, que, no refluxo minucioso do seu trabalho telúrico, subterrâneo, co-labora com as pedras que juntamos. É pelo desejo que as mãos fazem coincidir e revelar a geografia com o que transportamos: montanhas e vales; mitologias pessoais e colectivas; experiências do passado que não recordamos; o corpo; a superfície fria da solidão necessária à mais proveitosa reunião gregária. Depois a topologia. A invenção dos nomes e tentativa de dizer o mundo. O combate à resistência do mundo que persiste em ocultar-se e em dizer-se. Talvez menos subtil e volátil que a poesia, é também este o trabalho da arquitectura.

Michel Onfray experimenta dizer os lugares através da(s) viagem(s). Do elogio da viagem. O viajante, nómada que se cumpre no desenraizamento e na afirmação dionisíaca da descoberta de si no mundo largo e vasto e diverso. É a este viajante que cabe contrariar a supressão da História que as cidades globais pretendem contar. É este o Marco Pólo exaltado que conta ao Kahn, de si para si, a beleza que encontra no mundo – e nas cidades. O viajante que celebra o avião ‘que troça do ar’ e ao fazer a volta ao mundo é com o prazer infantil se comove com distância que nos une a todos ao ‘fogo furioso incandescente’ do centro da Terra. O viajante, máquina desejante de Deleuze, ligação e interpenetração dos ‘fluxos contínuos’ que nos re-ligam aos confins do Universo.

A alternância entre partidas e chegadas possibilita uma verdadeira definição do habitar tão caro a Heidegger.

O reencontro. Ítaca excluí o viajante da errância. O Judeu Errante, o condenado ao qual não é permitido fixar-se – habitar - é o que nunca chega a casa, o que nunca acha o sentido da viagem. E do mundo. A viagem - o mundo - só se reconhece na sua plenitude no reencontro com a morada. A casa. O habitar. 'Na arte do habitar concentram-se práticas de arquivo quotidianos, é verdade, mas também se articulam hábitos, rituais sem os quais a angústia não pode ser conjurada, permanecendo e consumindo o corpo e a alma.' É necessária a demora e a ritualização dos dias. Permanecer, ser, junto ao fogo familiar e determo-nos nas leis da hospitalidade que exigem tecto sedentário. O lugar abandonado - para outros se constituírem - reencontra-se no habitar.

Eis a perturbação do viajante que é também política: contra a ponderosas razões (e i-razões), de Estado, sangue, de solo, é o que procura o mundo, dizê-lo de novo, singular, único; é quem perturba e desorganiza a disposição social estabelecida. É o que ama a liberdade, conduz o seu destino pelo Sol e contraria a paz aparente do quotidiano. O estrangeiro que nos outros lugares (do outro) se descobre a si mesmo. ‘Nós próprios, eis a grande questão da viagem.’

O mundo constituído e dito pelos lugares. Anti não-lugares.


[Teoria da Viagem – Uma Poética da Geografia, Michel Onfray]


para o António

| João Amaro Correia | 29.7.09 |   | / / /

A alma corajosa de um revolucionário



Cunningham costumava dizer que as suas danças habitavam o palco como uma rua é habitada por muitas pessoas: deslocam-se em velocidades diversas; avançam, podendo, imprevisivelmente mudar de direcção ou parar; podem aproximar-se ou afastar-se umas das outras, olhar-se ou ignorar-se; cada uma ocupa um espaço próprio e traça um percurso diferenciado, podendo, por sua vez ser vistas por vários observadores, de várias perspectivas. Nesta imagem, de uma clareza e de uma simplicidade desarmantes, convergem todos os traços que identificam a revolução cunninghamiana: a liberdade do coreógrafo relativamente aos imperativos da subjectividade; a liberdade dos intérpretes relativamente ao imaginário do coreógrafo; a liberdade do espectador relativamente à escrita coreográfica do criador e à interpretação do intérprete.
Cunningham libertou o movimento de motivações expressivas ou narrativas, o que lhe permitiu trabalhá-lo de forma objectiva, ou seja, lançar-se no caminho da descoberta das possibilidades de modelação da própria matéria da dança, independentemente de motivações psicológicas e emocionais; Cunningham encontrou novas formas de trabalhar e usar o corpo, valorizando as articulações e as combinações complexas; Cunningham instaurou uma nova representação do espaço e uma nova concepção do tempo; e instituiu uma nova relação entre os diferentes elementos do espectáculo (música, cenário, figurinos e luzes).
Se hoje é natural que no espaço do palco todos os pontos, todas as direcções e todos os percursos sejam relevantes; que os vários elementos do espectáculo possam ser criados autonomamente, sem subserviência ilustrativa de qualquer um relativamente aos outros e que, ainda assim, se relacionem de forma coerente, quer estética quer funcionalmente; que, num espectáculo, as relações entre os bailarinos sejam de igualdade, sem hierarquia de papéis ou lugares; que o espectador possa escolher a forma como quer ver a dança, deambulando e fazendo os seus próprios enquadramentos, é porque Cunningham tornou isso possível.
O uso do acaso como meio de criação de formas para além daquilo que imaginamos ser possível e a ruptura com os imperativos de um uso do espaço-tempo tributário de uma tradição clássica e com os códigos tradicionais de construção coreográfica transformaram as danças de Cunningham em universos em expansão, precipitando-nos para o infinito, para o desconhecido, confrontando-nos com a desmesura do mundo. Fê-lo com tranquilidade, usando um movimento sem conflito nem resolução, sem causa nem efeito. Fê-lo com a energia e a constância de uma alma corajosa.

Maria José Fazenda in Público, 28.07.2009, versão não editada.

| João Amaro Correia | 28.7.09 |   | /

merce cunningham


1919.2009


p.s. Aguarda-se texto d'A Crítica.

| João Amaro Correia | 27.7.09 |   | /

interiores – uma teoria da catástrofe


Um homem oculta à mulher e aos filhos a sua nova condição de desempregado. Uma questão de honra numa sociedade de códigos rígidos e rigorosamente ordenada onde cada indivíduo assume o seu papel sem grandes questões existenciais. O tradicional, no comportamento, o moderno, que invade e desestabiliza a ordem aparente do quotidiano. A acção é o questionamento – implosão? - dos valores sociais da sociedade japonesa.
A ordem, o espírito desta sociedade, é visível na curta duração da sequência do trânsito sobre os infinitos viadutos da cidade. Tóquio flui à cadência do disposição secular das regras. A vida programada confronta-se com o acidente contemporâneo. A crise económica, a guerra no Médio-Oriente, o mundo em volta da implosão familiar.


É Kenji, o filho mais novo e espírito independente, que persiste em tocar piano, Claire de Lune, da lua que na sequência imediatamente anterior ilumina num fugaz instantâneo a mãe, o ponto de fuga. Pelo amor à liberdade e ao desejo.
Regressa-se a casa, depois da noite que todos passaram fora.
E aquele abrigo na praia acidental?, não será o mesmo do Deserto Vermelho?

[Sonata de Tóquio, Kiyoshi Kurosowa, 2008]

para o David

| João Amaro Correia | 26.7.09 |   | / /

metanarrativa[s]


Imagens de máquinas vs máquinas de imagens.


61 essential postmodern reads: an annotated list.

[Pruitt-Igoe, St. Louis, 1954.1955]

| João Amaro Correia | 22.7.09 |   | / /

the end is the beginning is the end


Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde saíste: porque tu és pó e em pó te tornarás.
Gen 3,19

[Am Anfang, Anselm Kiefer/Jörg Widmann, 2009]

| João Amaro Correia | 9.7.09 |   | /

Pina já não dança nas cidades


Luminosidade, harmonia, leveza e prazer eram as “propostas para o próximo milénio” que Pina Bausch e os bailarinos do Tanztheater Wuppertal escreviam em Masurca Fogo, a obra que no dia 11 de Maio de 1998 era estreada no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Nela, ganhavam preponderância sobre os coros e sobre a teatralidade os solos de dança virtuosos, deslizantes e orgânicos, interpretados por bailarinos que se precipitavam da rocha aveludada que constituía o cenário, ou que dançavam fundidos nas imagens do mar ou de flamingos projectadas no palco. Nela, a relação de incomunicabilidade e de conflitualidade entre os homens e as mulheres, que se tornara num motivo temático e coreográfico-teatral bauschiano, dava também lugar a encontros harmoniosos e serenos, tão evidentemente expressos nos pares de dança que ao som de uma morna serpenteavam pelo palco — imagens de felicidade com que o realizador Pedro Almodóvar termina o seu filme Fala com Ela — , ou que ocupavam os corredores da plateia com o seu lento rodopiar, embalando-nos também a nós, espectadores, e nos fortes abraços que, no final, se desfaziam com os corpos, dois a dois, deitados serenamente uns sobre os outros.
Foi com um espectáculo em que, simultaneamente, as representações do mundo e os elementos coreográficos se transformaram que Bausch respondeu ao convite que lhe foi feito pela Expo’98 para a criação de uma obra original a partir de imagens e movimentos captados por si e pelos seus bailarinos em Lisboa, durante uma permanência e um workshop na cidade (o filme Lissabon/Wuppertal/Lisboa, de Fernando Lopes, é um poético registo desta estada). A coreógrafa seguia assim um modelo de criação que tinha iniciado em Roma, com Viktor (1986). Projectos semelhantes concretizaram-se na Sicília (Palermo, Palermo, 1989-91), em Madrid (Tanzabend II [Noite de Dança II], 1991), em Viena (Ein Trauerspiel [Uma Tragédia]; 1994), em Hong Kong (Der Fensterputzer [O Lavador de Vidros], 1997), no Brasil (Água, 2001) ou no Japão (Ten Chi [Céu e Terra], 2004).
Philippina Bausch nasceu em 1940 e cresceu em Soligen, em Ruhr, na Alemanha, onde os pais tinham um restaurante — as suas memórias de uma parte da infância passada neste lugar são evocadas em Café Müller (1978), uma obra-prima em que os corpos, cegos, abandonados e trôpegos, são a pungente expressão da solidão. Estudou dança com o importante coreógrafo herdeiro da tradição da ausdruckstanz (dança de expressão) alemã, Kurt Jooss, partindo mais tarde para Nova Iorque para estudar com figuras pioneiras da modern dance, como José Limón ou Paul Taylor. Quando regressa a Essen, ingressa no Folkwang Tanz Studio, grupo de que viria a assumir a direcção artística, em 1969, grupo para o qual cria as primeiras coreografias, Fragment (1969) e Im Wind der Zeit (1969) [No Vento do Tempo].
Em 1973, foi convidada a dirigir o Ballet de Wuppertal, tornando-se, sob a sua direcção, uma companhia autónoma e de autor, o Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. Apresenta novas versões de Iphigenie auf Tauris [Efigénia em Táurida] (1974), sob música de Gluck, de Blaubart [O Castelo do Barba Azul] (1977), uma ópera de Béla Bartók, ou de Orpheus und Eurydike (1975), também sob música de Gluck, e a sua extraordinária versão de Le Sacre du Printemps (1975). A originalidade do trabalho de Bausch, que resultava, ao nível coreográfico, de uma articulação singular das linguagens da dança de expressão alemã e das técnicas da dança moderna americana, e, ao nível temático, da expressão da conflitualidade entre homens e mulheres, da solidão, do medo, do desespero, e do seu envolvimento crítico com formas de exibicionismo e de mercantilização dos corpos, eram bem evidentes nestas obras. Em 1976 cria Os Sete Pecados Mortais (1976), com música de Kurt Weill e texto de Bertolt Brecht. Esta é uma obra paradigmática das novas visões do mundo que Bausch traz para o palco da dança — Ana I (a agente) familiarizada com as leis de mercado prepara a irmã, Ana II (a artista), para o papel de objecto sexual —, mas também da nova linguagem da coreógrafa, pois aqui o bailarinos dançam, cantam e falam.
Bausch inventou um reportório coreográfico de movimentos e gestos, ampliados significativamente pela utilização da voz, aptos a traduzir para o palco constelações de experiências humanas. A partir de 1976 abandonou também a composição coreográfica tradicional e construiu as suas peças acumulando sequências descontínuas, segundo um procedimento próximo do da montagem cinematográfica ou do teatro de revista — sendo que os temas musicais passaram também a ser alinhados de forma paralela —, de que obras como Kontakthof [Lugares de Contacto] (1978) ou 1980 Ein Stück von Pina Bausch [1980, Uma peça de Pina Bausch] são magistrais exemplos.
As inovações de Bausch estenderam-se ao processos de criação, integrando as representações das experiências dos bailarinos nas próprias obras. Num processo baseado na improvisação, lançava aos intérpretes questões sobre recordações de infância, países de origem, emoções, relações entre homens e mulheres, às quais os intérpretes respondiam através de movimentos, palavras ou outras soluções performativas. Bausch compunha a obra a partir delas, acrescentando outros elementos coreografados por si.
A coreógrafa construiu peças ancoradas nas experiências humanas, restituindo aos bailarinos espaços reais dessas vivências: montanhas de rosas vermelhas, superfícies de cravos, de relva ou de terra, rochedos, fossos cercados de colinas, palmeiras, uma rua ou uma sala de cinema, um café repleto de cadeiras, muros de pedra que se desmoronam são alguns dos exemplos dos cenários construídos por Rolf Borzik e, a partir de 1980, por Peter Pabst.
A bailarina e coreógrafa, que também participou no filme E la nave va (1983), de Frederico Fellini, no papel de uma lúcida cega, introduziu, nos finais dos anos 1970 um novo paradigma na história da dança ocidental, aquele que fez de uma renovada relação entre a dança e o teatro um imenso campo de possibilidades de expressão da experiências humanas. Fundamental para este revolução foi a sua motivação artística: “interesso-me não pela forma como as pessoas se movem, mas por aquilo que as faz mover”, como afirmou tantas vezes e materializou, sempre, em cada uma das suas obras, independentemente das expressões que encontrou para o fazer.


[versão integral]


Maria José Fazenda, Público, 1.07.2009



p.s. mais um orbituário e ficas tu a tomar conta da casa.

| João Amaro Correia | 1.7.09 |   | /

Danças que inundam as ruas


Deslocações como o “moonwalk”, piruetas velozes (triplas ou quádruplas) e suspensões súbitas dos movimentos (“freezes”) são alguns dos traços coreográficos que constituem o coração estilístico da dança que Michael Jackson e os coreógrafos que com ele colaboram, como Michael Peters e Vincent Paterson, trouxeram para os palcos e construíram para as câmaras.
Em movimento, deslizando, rodopiando, golpeando, ou em pose, em virtuosos solos, ou liderando poderosos grupos, são dois os contributos essenciais que a dança de Michael Jackson deu para os espectáculos musicais ao vivo ou para os vídeos musicais. Por um lado, trouxe vários elementos da tradição da dança afro-americana para a “pop”, visível no isolamento dos movimentos e na energia sincopada. Por outro lado, insuflou os seus novos elementos coreográficos na “street dance”, um termo que designa a dança que sai dos palcos ou dos salões e vem para as ruas das cidades, seja aí apresentada ao vivo ou filmada.
As fontes mais importantes em que a ideia do seu contributo histórico para o desenvolvimento destes dois géneros se sustenta são os seus vídeos dos anos 1980. É aí que se reconhecem os elementos novos, os traços herdados, transformados e inseridos em situações novas, e os tributos aos grandes autores do cinema musical ou dos espectáculos da Broadway, que lhe servem de referência.
Misturando, sob um nova forma e num novo contexto “cénico”, a “breakdance”, a dança rock e a disco, o corpo de Jackson e os corpos dos bailarinos que lidera parecem matéria em perigo de explosão. “Billie Jean” é, pelo carácter demonstrativo da sua dança a solo, um reservatório de observação do seu estilo de movimento, como se de um Fred Astaire dos anos 1980 se tratasse, calçando sapatos com suaves solas de pele e tendo inscrito no seu corpo a agressividade que circula nas ruas das urbes. Verdadeiramente agonística é a dança de “Beat it”, uma luta de gangs, pacificada, no final, e que evoca os poderosos coros de “West Side Story”. Em “Thriller” é assinalável a utilização que é feita das potencialidades narrativas da associação música-canção-dança. E o movimento, pela sua componente expressiva, desempenha nesta espécie de mini ficção em filme um importante papel na narração. A luta está também presente “Bad”, através dos movimentos rápidos, curtos e directos, como se, quer dos pés, das ancas, dos ombros ou do pescoço, de qualquer parte do corpo, isoladamente, se soltassem golpes fatais. Pelo contrário, em “The Way You Make Me Feel” é a sedução que conduz a luta, desta vez entre um homem e uma mulher, e cujo final, um abraço cuja força metaforicamente sublinhada por uma torrente de água, lembra os corpos inundados de “Singin’ in the Rain”, mas deslocados para um cenário profusamente marcado pelos “grafittis”.


Maria José Fazenda, Público, 27.6.2009

| João Amaro Correia | 28.6.09 |   | /

o entusiasmo dramático do ofício*


je ne separe plus l’idée d’un temple de celle de son edification

Or, de tous les actes, le plus complet est celui de construire. Une oeuvre demande l’amour, la méditation, l’obéissance à ta plus belle pensée, l’invention de lois par ton ame, et bien d’autres choses qu’ellle tire merveilleusement de toi-même, qui ne soupçonnais pás de les posséder.


Fixo, verdadeiro, imutável, o mundo das ideias é o refúgio de Platão à instabilidade do real. O sensível e o belo são as pistas pelas quais poderemos aceder à transcendência da verdade. E o conhecimento verdadeiro é o passaporte que nos liberta da caverna de sombras em que o nosso corpo nos aprisiona.
Eupalinos, o arquitecto de Paul Valéry a partir do mítico Eupalinos de Megara, ergue-se a partir do encontro do mundo das formas e da matéria em negociação com o mundo do real. Eupalinos desafia o pensamento socrático num cenário ático, belo e melancólico, em que decorre o diálogo entre os espectros de Sócrates e Fedro.
Eupalinos, o arquitecto, não mais distingue a ideia do templo da sua edificação. O belo não está na Ideia, mas no encontro desta com o mundo através da realização humana. O belo é a ideia e a sua execução. É neste encontro que se legitima a arquitectura como pensamento, é a partir daqui que se suspeita do contentamento platónico no simples trânsito pelo mundo das ideias que não se revela na acção. Ideia – projecto, matéria – edificação, indissociados, como tropo do pôr-em-obra. Palavra e acção, formas inteligíveis e formas sensíveis, às mãos do arquitecto como artesão de um ofício intelectual e, ao mesmo tempo, edificador, numa actividade que exige a presença e permuta recíproca do corpo e da alma.

Phèdre, me disait-il, plus je médite sur mon art, plus je l’exerce; plus je pense et agis, plus je souffre et me réjouis en architecte; - et plus je me ressens moi-même, avec une volupté et une claret toujours plus certaines.

O ofício do arquitecto faz-se desta inseparabilidade do pensar e do agir. O arquitecto é o que se constrói a si mesmo ao construir um edifício. O arquitecto conhece-se porque se lança ao mundo, à exterioridade da matéria, nos seus gestos: je m’avance dans ma propre édification; et j’approche d’une si exacte correspondance entre mes voeux et mes puissances, qu’il me semble d’avoir fait de l’existence qui me fut donnée, une sorte d’ouvrage humain. A force de construire, je crois bien que je me suis construit moi-même. O arquitecto, e a arquitectura, são-no na matéria feita tempo presente. A obra, como mediador, é o movimento a partir do qual nos reconhecemos e que se ergue do desenho – cosa mentale – e da matéria. Construir, habitar, pensar, como em Heidegger, exigem-se mutuamente.
Assim o é também na polis, no colectivo cívico e político que se edifica na urb física. Por isso uma civilização, uma cultura, uma sociedade, reconhece-se mediante as suas obras e coloca-se diante de si própria a partir das suas obras. A cidade e a arquitectura, sedimento do mundo que somos e que nos tornam presentes diante de nós mesmos, numa relevação da physis oculta, que através dela se revela. Por isso são as cidades e a arquitectura e o ornamento instrumentos de acesso ao conhecimento, no encontro de nós próprios com a história e valores individuais e sociais. Não se constituem como belo extrínseco mas constituem-nos a nós mesmos. Constroem-nos na simultaneidade do nosso acto do construir.

O conteúdo exige-se em forma. Torna-se forma, tal como a forma só o é a partir do conteúdo, na supressão da distinção binária do que é da ordem do sensível e da forma e o que é da ordem do inteligível e do conteúdo. O conceber é o executar, o ser é o agir. É esta mutualidade que torna intrínseco o habitar. É o construir da forma que exige o pensamento, porquanto, é mister do arquitecto inventar como se executasse. A arquitectura é o desejo tornado exequível, lugar da não-utopia, é o pensamento do factível e o actuar do inteligível.
O corpo é o lugar do entendimento. E por isso são Sócrates e Fedro espectros. É do corpo que o inteligível se torna sensível. É no corpo que os limites da obra são verificáveis. A geometria é a extensão do corpo no real. A geometria é o nó, nomear, do espírito com a matéria, a partir do corpo. Ceci, cher PHÈDRE, est le plus important : Pas de géométrie sans la parole. Sans elle, les figures sont des accidents ; et ne manifestent, ni ne servent, la puissance de l’esprit. Par elle, les mouvements qui les engendrent étant réduits à des actes nettement désignés par des mots, chaque figure est une proposition qui peut se composer avec d’autres ; et nous savons ainsi, sans plus d’égards à la vue ni au mouvement, reconnaître les propriétés des combinaisons que nous avons faites ; et comme construire ou enrichir l’étendue, au moyen de discours bien enchaînés.

Dis-moi (puisque tu es si sensible aux effets de l’architecture), n’as-tu pas observé, en te promenant dans cette ville, que d’entre les édifices dont elle est peuplée, les uns sont muets ; les autres parlent ; et d’autres enfin, qui sont les plus rares, chantent? Os edifícios cantam, e a música distingue-os de simples construções. A arquitectura muda - paradoxo? - nada nos diz de nós mesmos. Não nos convoca ao presente de nós mesmos. O silêncio é a ausência do corpo e da alma, do humano, que se perde e não emerge da obra. Este silêncio é o ruído das pedras afastadas da humanidade, como na natureza primeira sem a obra humana. Mais la Musique et l’Architecture nous font penser à tout autre chose qu’elles-mêmes ; elles sont au milieu de ce monde, comme les monuments d’un autre monde ; ou bien comme les exemples, çà et là disséminés, d’une structure et d’une durée qui ne sont pas celles des êtres, mais celles des formes et des lois. Elles semblent vouées à nous rappeler directement, — l’une, la formation de l’univers, l’autre, son ordre et sa stabilité ; elles invoquent les constructions de l’esprit, et sa liberté, qui recherche cet ordre et le reconstitue de mille façons ; elles négligent donc les apparences particulières dont le monde et l’esprit sont occupés ordinairement : plantes, bêtes et gens... A voz dos edifícios é a tradução das instituições humanas. É a imposição da cultura que nos torna melhores que nós mesmos. E é aqui a tirania da arquitectura. Ce qu’il y a de plus beau est nécessairement tyrannique...
— Mais je dis à Eupalinos que je ne voyais pas pourquoi il en doit être ainsi. Il me répondit que la véritable beauté était précisément aussi rare que l’est, entre les hommes, l’homme capable de faire effort contre soi-même, c’est-à-dire de choisir un certain soi-même, et de se l’imposer.
O edifício é a liberdade da escolha, no encontro do homem consigo mesmo. É mais o desejo e menos a ciência, a technè do espaço, a ordenação dos tektones pelo acto construtivo. Ao contrário do filósofo, que se exalta na contemplação quer do verdadeiro quer do falso, o arquitecto difere o pensamento, adia-o, para que o que seja, irá-ser, se reencontre nas exigências do que foi. Passado e futuro não são duas distintas direcções mas apenas um movimento de encontro. Encontro entre o que fomos, o que somos e o queremos ser.

A natureza no seu movimento lega-nos o acaso, que o arquitecto viola. A arquitectura é a violência contra a ordem natural das coisas. É a criação humana que se impõe à matéria informe. São actos de pensamento que geram a arquitectura, de acordo com o mundo humano.
De la même matière que sa forme : matière à doutes. C’était peutêtre un ossement de poisson bizarrement usé par le frottement du sable fin sous les eaux ? Ou de l’ivoire taillé pour je ne sais quel usage, par un artisan d’au delà les mers ? Qui sait ?... Divinité, peut-être, périe avec le même vaisseau qu’elle était faite pour préserver de sa perte ? Mais qui donc était l’auteur de ceci ? Futce le mortel obéissant à une idée, qui, de ses propres mains poursuivant un but étranger à la matière qu’il attaque, gratte, retranche, ou rejoint ; s’arrête et juge ; et se sépare enfin de son ouvrage, — quelque chose lui disant que l’ouvrage est achevé ?... Ou bien, n’était-ce pas l’œuvre d’un corps vivant, qui, sans le savoir, travaille de sa propre substance, et se forme aveuglément ses organes et ses armures, sa coque, ses os, ses défenses ; faisant participer sa nourriture, puisée autour de lui, à la construction mystérieuse qui lui assure quelque durée?
A arquitectura obedece à necessidade de resistência, a exceder os limites da mortalidade humana. A beleza da duração. A duração.
Como em Vitrúvio: firmitas, solidez, a construção; utilitas, as necessidades humanas; venustas, o belo. Como em Alberti, o nosso corpo, a nossa alma, o nosso tempo. O que apenas a nós, humanos, nos pertence. É desta simultaneidade que vive a arquitectura, na tentativa e na tentação da eternidade, condenados que estamos à transitoriedade e ao efémero. No encontro que estabelecemos com o que foi e o que será.
O arquitecto é o anti-Sócrates, o construtor que vai mais além dos nomes e das palavras. O que os põe-em-obra, em acção. Pôr-em-obra é o devir do arquitecto.
Construir é a prova de vida. O esforço amoroso, a reorganização da matéria e do mundo à medida do rigor do corpo, que lhe impõe uma ordem perene.


[Paul Valéry, Eupalinos ou l’Architecte, 1921]



*re-publicação de post editado a 12.9.2007 a propósito da recente tradução para português, de Maria João Mayer Branco, editada pela Fenda.

| João Amaro Correia | 26.5.09 |   | / /

através das muralhas e das torres destinadas a ruir*

Importa mais a realidade que a verdade. A realidade, ela própria construção, é o resíduo humano que habita a verdade. A humildade humana cumpre-se na realidade, ergue-a na sua ignorância.
Ainda que ocorra um sopro da verdade nos negócios humanos, ainda que apenas um minúsculo infinito de luz arrebate a realidade, consola-nos essa experiência, sempre falhada, do real.
É a invenção, memória, esquecimento, o território fértil onde floresce a realidade.
Caminha-se tanto pelo desejo.



*Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

| João Amaro Correia | 12.5.09 |   |

e velhice é passado que se tornou presente, é passado apenas recoberto de presente

A identidade do lugar , que é o mesmo de trezentos ou novecentos anos atrás, resiste no fluxo do tempo, que passa por cima dele e continuamente modifica muitas coisas, ao passo que outras, de importância decisiva para o quadro geral, por serem recordações e testemunhos da antiga dignidade, são conservadas com reverência, num piedoso desafio ao tempo e também por orgulho.

Thomas Mann, Doutor Fausto

| João Amaro Correia | 21.4.09 |   | / /

pickpocket – a vida que imita a arte que imita a vida


Suprema ironia, o furto de uma das 6 peças de Rui Chafes da exposição Pickpocket: Robert Bresson Visto por Rui Chafes e João Miguel Fernandes, na cinemateca. As mãos, o trabalho das mãos, central em alguns filmes de Bresson, e modo de vida em Pickpocket, laboraram na própria exposição e fizeram-nos regressar ao invisível que o cinema de Bresson torna visível*.

[Pickpocket: Robert Bresson Visto por Rui Chafes e João Miguel Fernandes, Cinemateca Portuguesa]

*Rendez visible ce qui, sans vous, ne pourrait être vu.

| João Amaro Correia | 1.3.09 |   | / /

2008

discos

e.s.t, Leucocyte
Bon Iver, For Emma, Forever Ago
Nick Cave & and The Bad Seeds, Dig Lazarus, Dig!!!
TV on the Radio, Dear Science
Silver Jews, Lookout Mountain, Lookout Sea
Jun Miyake, Stolen from Strangers
Portishead, Third
Beach House, Devotion
Vandermark 5, Beat Reader
Nico Muhly, Mother Tongue


filmes

Hunger, Steve McQueen
The Assassination of Jesse James by the coward Robert Ford, Andrew Dominik
No country for old men, Joel e Ethan Coen
Aquele Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes
Entre les Mures
, Laurent Cantet
The Darjeeling Limited, Wes Anderson
O Segredo de um Cuscuz, Abdellatif Kechiche
Aleksandra, Alexander SukurovLaurent Cantet

| João Amaro Correia | 27.12.08 |   |

o corpo do condenado


Poder, controlo, corpo. O corpo como território último da luta política, limite da própria humanidade. Hunger é a experiência física: do corpo sacrificial no espaço do encarceramento; da tensão entre o corpo torturado e o último lastro de humanidade que encarna.
Da arte povera – as paredes do cárcere revestidas com os excrementos de quem se recusa à higiene básica por uma causa política – à body art – que, pela mesma causa, se deixa o corpo abandonado à lentidão exasperante da fome, à morte – Hunger é a experiência da resiliência ao encarceramento, e do corpo como fronteira última da resistência à tortura.
O espaço da reclusão é o lugar do desdobramento moral. Carrasco e torturado, corpo a corpo, numa batalha claustrofóbica. As mãos lavadas do polícia não limpam, o polícia despido do capacete e do cacetete que chora ao canto, escondido, despercebido do pelotão de tortura ocupado com o terror, o polícia, morto a sangue frio, caído nos braços da mãe “ausente” como uma Pietá desossada, descarnada, o corpo do condenado, quase crístico, trespassado das chagas voluntárias, silencioso, exaurido das palavras que já não têm força.
A austeridade visual, quase abstracta, táctil, a adesão à realidade crua e cruel, coloca-nos, ao nosso corpo, no corredor da morte.

[Hunger, Steve McQueen, 2008]

| João Amaro Correia | 11.12.08 |   | /

pombos no inverno


[Pigeons in winter, Nuri Bilge Ceylan, 2004]

Com o devido agradecimento ao David.

| João Amaro Correia | 14.11.08 |   | /

i love my city

i. sidewalk


Mais de metade da humanidade vive agora em cidades. É um facto novo no planeta, radical e simbólico, pois a humanidade foi até agora maioritariamente rural e preocupada com a dura sobrevivência.
A cidade, e o seu poder de emancipação e autonomia individuais, é o centro difusor das ideias e da criatividade. A riqueza da cidade exprime-se no capital de conhecimento que dela dimana. A expressão das interdependências urbanas é hoje a rede global das cidades. As cidades são a “riqueza das nações”.
Mas é necessário reencontrar a cidade. Abandonar o subúrbio. Abandonar qualquer pré-conceito suburbano que domina muito do pensamento urbanístico desde o modernismo.A renovação urbana alimentou-se, ao longo do séc.XX, de construção massiva, nova, com impacto devastador sobre o território, a paisagem, as comunidades, as relações de vizinhança e de proximidade. A matriz modernista, o desejo de normalização, harmonia, “funcionalidade”, alimentou o processo, convencido pelas concepções puritanas e moralistas de como as pessoas devem utilizar o seu tempo. Écontra esta utopia higienista, fundada na Cidade-Jardim do séc.XIX, que se ergue o monumento “The Death and Life of Great American Cities” (1961), de Jane Jacobs. Ainda hoje a pertinência do texto é aguda.
Mais que uma elegia à cidade, Jane Jacobs procura chegar ao coração da cidade através da experiência do quotidiano. Diversidade, densidade, multiplicidade, pluralismo, são a essência da cidade democrática, livre, e rica. E a substância da cidade é a possibilidade de liberdade. As condições de florescimento da liberdade passam pela segurança. E a segurança decorre da desordem das actividades diárias das multidões que se cruzam e que se vigiam mutuamente. “The eyes of the street” são as ruas movimentadas da nossa experiência quotidiana. A “ordem espontânea” que se gera ao cruzarmo-nos com desconhecidos.
Sem falsos moralismos nem indulgentes “áreas verdes”, essa panaceia universal para o problema das cidades, Jacobs contraria, com a inteligência da escrita fina, a condenação que nos reserva a suburbanização infinita do território e dos espíritos. Refuta o automóvel como leitmotiv do crescimento das cidades – e não conhecemos bem, nós, portugueses, o efeito do delírio dos peritos em transportes e acessibilidades, ao rasgarem as nossas cidades com auto-estradas? O argumento é simples: o urbanismo modernista rejeita a cidade porque rejeita o conceito de comunidade e dos indivíduos que a compõem e que nela vivem, e que se caracteriza pela complexidade das múltiplas experiências dos milhões de indivíduos que se cruzam todos os dias na cidade. À eficiência e ordem das utopias higienistas Jane Jacobs opõe uma estética da vibração, excitação, da redundância, da desordem natural da vida quotidiana.

[The Death and Life of Great American Cities, Jane Jacobs, 1961]


ii. street

Como desejo de construir a cidade, a arquitectura torna-se em coisa pública, directamente relacionada com o contexto cultural e político, e é por isso, também, que a arquitectura serve de ensaio para novas visões da sociedade.
Vele à Scampia, Nápoles, é Gomorra. A destruição, das estátuas de sal quando se olha para trás. A arquitectura é a de um cárcere. A perspectiva quase piranesiana. A ordem é a da utopia: moral e higiene, homem novo. Mundo metodicamente organizado. Incluindo a vida. Que, evidentemente, extravasa as paredes de Scampia. Mesmo que apenas na morte.
Mas citando o realizador, “blaming the architecture is too easy”.


[Gomorra, Matteo Garrone, 2008]

iii. block

12 Storeys é a vida e alienação nas megalópoles que devidamente incorporaram as mitologias urbanas modernistas. E um óptimo argumento para quem, odiando as cidades, anseia pelo “idílio” da natureza.
Espaços verdes, zonning, ordem, mais uma vez. Deseconhecendo o contexto político e social de Singapura, não será difícil de identificar um regime que tudo quer separar para tudo poder vigiar. E controlar.

[12 Storeys, Eric Khoo, 1997]


iv. “o campo é um sítio onde eu paro para mijar entre duas cidade”*

E é de geografia que trata o filme de Miguel Gomes. Da contemplação dos rostos e das vozes dos habitantes do interior – abandonado? A câmara sem arrogância nem indulgência deixa, apenas – e este apenas faz toda a diferença – correr a vida naquele lugar. Há festa na aldeia. Por cima dos pequenos dramas existenciais de que se ocupam as horas em que nos dedicamos à sobrevivência.
Som De Cristal - Marante
[Aquele Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes, 2008]
*Manuel Vicente

para o Pedro Daniel

| João Amaro Correia | 15.10.08 |   | / / /

arké/chorea

Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos lugares em que ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manutenção da segurança e a liberdade. É uma ordem complexa. Sua essência é a complexidade do uso das calçadas, que traz consigo uma sucessão permanente de olhos. Essa ordem compõe-se de movimento e mudança, e, embora se trate da vida, não de arte, podemos chamá-la, na fantasia, de forma artística da cidade e compará-la à dança – não a uma dança mecânica, com os figurantes erguendo a perna ao mesmo tempo, rodopiando em sincronia, curvando-se juntos, mas a um ballet complexo, em que cada indivíduo e os grupos têm todos papéis distintos, que por milagre se reforçam mutuamente e compõem um todo ordenado. O ballet da boa calçada urbana nunca se repete em outro lugar, e em qualquer lugar está sempre repleto de novas improvisações.

Jane Jacobs, Morte e Vida de Grandes Cidades, 1961









[City Life, Steve Reich, 1995, Ensemble Moderne]

para a Maria José

| João Amaro Correia | 29.9.08 |   | / / /

mon oncle*, monsieur koolhaas


La Maison à Bordeaux, pela senhora da limpeza.




[Koolhaas Houselife, Ila Bêka & Louise Lemoine, 2008]

*D'après Jacques Tati.

| João Amaro Correia | 19.9.08 |   | / /