da existência das ordens profissionais e também da dos arquitectos

Sou licenciado em Economia. Tenho dois mestrados e um doutoramento em Economia. Sou professor de Economia numa universidade pública. Sou membro da Associação Económica Europeia. Tenho artigos publicados em revistas científicas internacionais de Economia. Com todas estas qualificações, o Estado português não me reconhece como economista. Porquê? Porque não estou inscrito na Ordem dos Economistas.

Quais as consequências de não estar inscrito na Ordem? De acordo com artigo 4.º dos seus Estatutos, não posso fazer “análises, estudos, relatórios, pareceres, peritagens, auditorias, planos, previsões, certificações e outros actos, decisórios ou não, relativos a assuntos específicos na área da ciência económica”. Resta-me, sempre que quiser elaborar um destes estudos, pedir a um meu aluno que assine por mim.

A Ordem dos Economistas não é um exemplo isolado. A pouco e pouco, Portugal tem-se tornado num estado corporativo. Advogados, arquitectos, biólogos, enfermeiros e muitos outros organizam-se em torno de corporações profissionais. Há ainda Pró-Ordens para psicólogos e professores.

Por que existem estas corporações profissionais? Tipicamente, argumenta-se que determinadas actividades são muito exigentes e especializadas e que os prejuízos que maus profissionais causariam à sociedade seriam tremendos. De seguida, diz-se que os profissionais no activo estão em melhores condições para definir os requisitos da sua profissão.

Esperar-se-ia que as Ordens Profissionais e outras corporações dessem formação adequada sobre o exercício da profissão e que procedessem a um controlo de qualidade, punindo infracções a códigos deontológicos. É isto que observamos? Claramente, não. Há uns anos, por exemplo, não houve qualquer condenação aos médicos que passaram centenas de atestados a alunos de Guimarães para faltarem aos exames. Há uns dias, a Inspecção-Geral de Saúde concluiu que a um número alarmante de baixas médicas nem sequer correspondia um único registo clínico do “doente”. De ambas as vezes, a reacção da Ordem dos Médicos foi dizer que os médicos não são polícias. Se nem com estes escândalos mediáticos as Ordens actuam, o que esperar no dia-a-dia? Na verdade, em vez de garantirem as melhores práticas, as Ordens protegem, de uma forma autista, os seus associados.

A única acção visível da Ordem dos Médicos tem sido a de limitar o número de médicos. Desde que existe, tem-se esforçado por impedir a abertura de novos cursos de medicina e o aumento do número de vagas nos cursos já existentes. Quase sempre com sucesso. Os farmacêuticos têm conseguido impedir a abertura de novas farmácias. Mesmo a ténue e meritória liberalização ensaiada pelo governo Sócrates serve os interesses das farmácias instaladas. A Ordem dos Notários quer o monopólio da autenticação de documentos. A Ordem dos Arquitectos recusou-se a reconhecer o curso de Arquitectura da Universidade Fernando Pessoa. A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas exige uma licenciatura adequada e obriga os candidatos a sujeitarem-se a quatro exames escritos e um oral. Cada exame custa 300 euros. Antes dos exames os candidatos são aconselhados a frequentar um curso de preparação com quatro módulos, que decorre ao longo de um ano. O custo de cada módulo é de 1650 euros. A pequena minoria que passa nos exames tem ainda de fazer um estágio de três anos com remunerações baixíssimas.

As estratégias variam, mas o objectivo é o mesmo: criar barreiras hercúleas que impeçam o acesso à profissão. É este o papel das Ordens. Restringir a oferta e a concorrência. Os efeitos de tamanhos obstáculos são óbvios. Já em 1776, Adam Smith escrevia que "os privilégios exclusivos das corporações, os estatutos de aprendizagem, e todas as leis que, em empregos determinados, restringem a concorrência (...) tendem a sustentar salários e lucros a um nível superior à sua taxa natural. Tais sobrevalorizações podem durar tanto quanto as regulamentações que lhe deram origem".

Não vale a pena ter ilusões. As Ordens, e outras corporações profissionais, servem para garantir remunerações anormalmente elevadas aos seus associados, perpetuando os seus privilégios, prejudicando e subjugando o interesse público a interesses privados.


Luís Aguiar-Conraria

via De Rerum Natura


about this entry


  1. jraulcaires 19.6.09

    A Ordem dos Arquitectos tem sistemáticamente procurar estrangular todos os candidatos e novas gerações que pretendam emergir e pouco mais.

    Pouco faz para dignificar a profissão e o seu exercío. É, em grande parte responsável pela manutenção do "Status Quo" em tudo o que tem de reprovavel.

    A maior parte dos associados não querem saber da ordem para nada. Vão pagando as cotas quando podem, porque não têm outro remédio, se quiserem continuar a trabalhar.

    Pessoalmente, acho que a ordem é uma instituição fascista, que deveria ser extinta. Em Espanha existe o Colégio dos Arquitectos que tem uma actividade que consubstancia num real apoio à prática.

    Na Holanda, temos regras copletamente diferentes. Cá, temos uns senhores que se sentam em cima da bola e não jogam nem deixam jogar...