do cliente, da estrutura, do engenheiro: da obra


[Apartamento JMD, estrutura da escada, Eng. Luís Maneta]

| João Amaro Correia | 25.11.08 |   | /

recalled to life

It was the best of times, it was the worst of times; it ws the age of wisdom, it was the age of foolishness; it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity; it was the season of Light, it was the season of Darkness; it was the spring of hope, it was the winter of despair; we had everything before us, we had nothing before us; we were all going directly to Heaven, we were all going the other way - in short, the period was so far like the present period, that some os its noisiest authorities insisted on being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparision only.




[A Tale of Two Cities, Charles Dickens]

| João Amaro Correia | |   | /

Fragmentos de cidades

A propósito de cidades perfeitas

O arquitecto Norman Foster está a planear uma cidade no deserto para cem mil habitantes, no deserto, a convite dos milionários de Abu Dhabi. Não será a primeira, nem conerteza a última cidade ideal a ser planeada. Já tivemos a Jerusalém Celeste, a Cidade de Deus de Sto Agostinho na Idade Média, as cidades utópicas do século XIX como o Falanstério de Fourier, "a cidade-jardim" de Ebenezer Howard no início do século XX, ou o projecto da Ville Contemporaine, cidade para três milhões de habitantes planeada em 1922 por Lê Corbusier. E até Brasília, que foi construída segundo a metáfora do avião, com os três poderes no cockpit. Talvez a inspiração para esta última tenha vindo do seu céu, um dos mais lindos do mundo. Mas, a cidade Masdar como se chama o projecto de Foster é a cidade politicamente perfeita. Dizem que não emitirá dióxido de carbono, que gastará pouca água, que tratará do seu próprio lixo, que um dispositivo sofisticado permitirá que uma brisa fresca a atravesse durante o dia e o ar quente do deserto por ela perpasse durante a noite. Uma cidade assim perfeita exige que os seus habitantes sejam igualmente perfeitos, e ricos. Que reciclem, que economizem energia e água, que consumam o essencial, que se desloquem sem o recurso a carros, que não alterem a tipologia perfeita das habitações. E que tipo de artes e de cultura seriam programáveis e produzidas nesta cidade? Se partirmos de princípio freudiano de que a cultura só existe como compensação do mal estar e da infelicidade, então nesta cidade tão perfeita não haveria teatro, nem cinema, nem literatura, nem artes visuais, a não ser talvez o que fosse possível projectar em grandes ecrãs panorâmicos como nas naves de ficção científica, imagens que passam sem destino certo. Há claro uma réstea de possibilidade: cidadãos tão perfeitos e tão ricos, dispondo de tecnologia tão sofisticada, mesmo assim necessitariam de alguns outros habitantes - imigrantes por certo - para os trabalhos rudimentares.
Haveria público, portanto!


Um artista de rua

Utiliza materiais muito simples, rudimentares, como o giz, o spray, tinta negra, o seu corpo, lâmpadas vulgares e, cordas e, mais recentemente, uma máquina fotográfica tecnologicamente muito simples. Como suporte, recorre às paredes e aos muros da cidade. Começou assim em Joanesburgo, mas é possível encontrá-lo em outras cidades. Chama-se Robin Rhode e é um artista de rua. Trabalha na rua, onde expõe as narrativas urbanas do hip hop e dos gangs de movimentos urbanos. Robin Rhode adora futebol e as suas performances estão carregadas de uma energia atlética. Os seus personagens nas curtas narrativas em que entram, fintam, saltam, são sinuosos nos seus movimentos, dançam pelas paredes, camuflam-se por baixo de cortinas de tinta negra. Como Muybridge, ele inventa uma arte de decomposição e de prolongamento, uma arte de prazer sem horários ou lugares fixos. É uma arte do deleite, sem compromissos, na rua.


Piscinas

Data de 1964 a primeira pintura sobre piscinas de David Hockney - Picture of a Hollyood Swimming Pool - mas é de facto em 1978 e 1979 que o pintor se dedica inteiramente a este tema, criando uma série de trabalhos sobre papel. Talvez influenciado, ou não, pela obra de Matisse La Piscine (1962), este passou a ser para Hockney um tema de eleição. E o que vemos nestas pinturas? Em primeiro lugar um trabalho sobre a cor, de decantação dos azuis conforme o movimento do sol e a reflexão da luz na superfície da água, as sombras das árvores no exterior ou do mobiliário em torno da piscina, o efeito da ondulação produzida pêlos nadadores, o splash. Vemos também corpos debruçados sobre a borda da piscina, as suas posturas de espera, a expressão de alguma fadiga dos nadadores. Mas, acima de tudo, trata-se de uma pintura solar, com corpos disponíveis, no fundo, é o que se passa em todas as piscinas, como na do filme La Piscine (1968), realizado por Jacques Deray e protagonizado por Alain Delon e Romy Schneider, ou na real piscina que Siza Vieira desenhou para Barcelona. E, muito em particular, na piscina para onde Daniel Larrieu coreografou Waterproof, que apresenta um dos duetos mais sensuais da história da dança.
Existem, claro, piscinas mais agitadas, digamos assim, as de EstherWilliams ou as piscinas dos jogos olímpicos, onde a lassidão e a extensão dos corpos só acontecem nos intervalos das filmagens ou das competições. Nestas, a piscina é o palco dos corpos atléticos, dos músculos em tensão, da pose de conquista, da animalidade oceânica. Há ainda outra variedade de ambientes de piscina, que são as piscinas festivas, que pela manhã ficam repletas de crianças e seus jogos e a piscina de férias de Verão de Ribeiro Telles na Prainha em Portimão. De todas, as minhas preferidas são, no entanto, as piscinas como as do David Hockney. As piscinas de bairro, de lazer, desportivas mas sem provas de competição, as piscinas particulares, com luz artificial ao cair da tarde e à noite, produzindo um ambiente de espaço fora do tempo, onde o silêncio é entrecortado pelo chapinar dos pés na água, pelo ruído seco dos braços a romperem a água, pelo ronronar das máquinas de alimentação e de reciclagem. As piscinas com nadadores de toucas negras e azuis, de raparigas de fatos de banho escuros por baixo dos roupões brancos que ficam pendurados nas barras de alumínio em redor; as piscinas são o lugar dos corpos em potência, disponíveis.


Hortas

Na Alemanha a ideia de criar hortas comunitárias em parcelas, de uso individual ou familiar, apareceu em 1864, quando foi fundada a primeira "Associação de Horticultores Parceleiros". O primeiro objectivo era suprir as carências alimentares das populações mais pobres da cidade, nomeadamente de desempregados das fábricas e ex-migrantes do campo para os centros urbanos. A iniciativa foi um êxito: nas fábricas, nos mosteiros, em áreas descampadas, os pobres urbanos puderam cultivar e criar animais domésticos. O êxito foi ainda maior quando no pós-guerras estas hortas alimentaram localmente muitos dos cidadãos. Hoje, estas hortas continuam a ser cultivadas, principalmente por adeptos da sustentabilidade das cidades, e constituem parte do cinturão verde de cidades alemãs. Entretanto, estas iniciativas têm-se alargado a outras latitudes.
O município de Almirante Brown abrange uma área de 13.000 hectares e reúne uma população de pouco mais de 515.000 moradores. Está localizado aproximadamente a 20 quilómetros ao sul do centro de Buenos Aires. Criaram-se ali 200 hortas familiares e 20 comunitárias, que sustentam parte da população local e ainda exportam para a capital argentina. Em Amesterdão, as cerca de 6.000 hortas estão reunidas em parques espalhados por vários pontos da cidade e de sua periferia. Da superfície total (21.907ha), os parques hortícolas ocupam 300 ha, o que é considerável numa cidade cuja densidade populacional alcança mais de 20.000 habitantes por km2 em alguns distritos. Estas hortas são multifuncionais e passaram de ser de pequenos produtores independentes, para serem das comunidades, podendo ser usadas por agregados familiares para se autosustentarem. Servem também de espaço de lazer, de encontro social e de lugar de aprendizagem escolar, nomeadamente sobre o meio ambiente.
Estas hortas urbanas, a par das práticas agrícolas de pessoas com vocação para esta actividade ou com passado rural, contribuem para a diversidade urbana, expressam modos de relação entre cultura, natureza e ambiente, estimulam o contacto entre os vizinhos criando formas continuadas de sociabilidade e alimentam famílias. São fáceis de criar, até porque permitem uma grande intervenção relativamente à forma e à plantação - hortaliças, flores, leguminosas... Qualquer manual tem um conjunto de princípios básicos e elementares a cumprir, sendo possível fazer hortas em pequenos espaços, desde que exista água (de preferência re-utilizada). Cultivar vegetais que adicionem sabor e nutrientes à dieta da família: ervas aromáticas, cebolas, tomates, pimentões e vegetais de folhas verdes escuras, como o espinafre, são ideais. Há também hortas que se podem fazer em telhados, em varandas ou em balcões, embora tenham de ser muito leves, com custos insignificantes e os métodos fiáveis e simples. Qualquer vegetal ou erva cresce numa sementeira rasa bem cuidada.


Desempregados

Uma cidade que tem desempregados é uma cidade que não merece ser cidade, nem vila, nem aldeia. É um lugar de desânimo e de debilidade política. Uma cidade deve ser um abrigo para todos os seus habitantes, deve honrá-los e para tanto deve contar com a energia criadora de todos. Uma cidade é um lugar de trabalhos, e por isso as filas de desempregados são sempre um retrato realista: é o modo de afrontar a ignorância do poder.


Chá

É longa a história do chá - nunca confundir com infusão - e, no entanto, o momento de beber um chá é o momento da delicadeza suprema, cada dia.


Quarto de hotel numa cidade árabe

Ela disse: o sexo perfeito é o sexo com riso e depois... poder dormir abraçada a noite inteira.



António Pinto Ribeiro

| João Amaro Correia | 24.11.08 |   | /

aqui [é o que aqui é]

i.

[...]
; e sob o som
Do vento não pensar em dor alguma
O som das poucas folhas,

Que é o som da terra
Cheia do mesmo vento
Que sopra no mesmo deserto lugar.
[...]


[Boneco de Neve, Wallace Stevens]


ii.

[…]
Maintenaint donc que j’ai dans la perception la chose même, et non pas une representation, j’ajouterai seulement que la chose est au bout de mon regard et en général de mon exploration; sans rien supposer de ce que la science du corps d’autrui peut m’apprendre, je dois constater que la table devant moi entretient un singulier rapport avec mes yeux en mon corps: je ne la vois que si elle est dasn leur rayon d’action; au-dessus d’elle, il y a la masse sombre de mon front, au dessus, le contour plus indécis de mes joues; l’un et l’autre visibles à la limite, et capables de la cacher, comme si ma vision du monde même se faisait d’un certain point du monde. Bien plus: mes mouvements et ceux de mes yeux font vibrer le monde, comme on fait bouger un dolmen du doigt sans ébranler sa solidité fondamentale.
[…]
Ainsi la perception nous fait assister à ce miracle d’une totalité qui dépasse ce qu’on croit être ses conditions ou ses parties, qui les tient de loin en son pouvoir, comme si elles n’existaient que sur son seuil et étaient destinées à se perdre en elle.
[…]
c’est en regardant, c’est encore avec mes yeux que j’arrive à la chose vrai, ces memes yeux qui tout à l’heure me donnaient des images monoculaires: simplement, ils fonctionnent maintenant ensemble et comme pour de bon. Ainsi le rapport des choses et de mon corps est décidément singulier: c’est lui qui fait que, quelquefois, je reste dans l’apparence et lui encore qui fait que, quelquefois, je vais aux choses mêmes.

[Le Visible et l'Invisible, Maurice Merleau-Ponty]

| João Amaro Correia | 20.11.08 |   | /

por exemplo, Lisboa

O facto é consumado, o acordo firmado, o contribuinte delapidado. Sic transit gloria Olissiponensis: do alto do zelo “competitivo”, da indemne pose das administrações dos tentaculares organismos estatais, que vigiam administrativamente o “viver habitualmente” da cidade e dos cidadãos, naturalmente fundados em evidentes estudos e consultorias, recebemos, cidadãos, apenas a impassividade das certezas rematadas. O facto é, repita-se, consumado. A democracia, um pouco mais débil. Mas saltou para o espaço, esse maçador pormenor.
Lisboa necessita do porto. De terminais de contentores, de terminais de cruzeiros. É de sua natureza abrir-se ao estuário, ao Atlântico. Mas todo este barulho sobre Alcântara, aparece para nada. Porque nada há a fazer?

i.
A actividade portuária serve não só a cidade de Lisboa, a sua área metropolitana, todo o país. Desconhecemos se existe um levantamento das necessidades e especificidades da actividade portuária em todo o território português. Mas é inquietante proporem-se milhões de euros para uma obra da qual não se conhece o contexto nacional e apenas se debate o local. Serve-nos, ao país, melhor um porto em Alcântara ou em Santa Apolónia? Será Lisboa a localização que melhor serve os propósitos da coesão territorial que deve fundar o planeamento regional? E Sines e os milhões lá submergidos? Há uma estratégia nacional e regional de transportes de pessoas e de bens? Serve essa estratégia os pressupostos da coesão social, territorial, económica e paisagística?

ii.
A paisagem é onde estas operações são efectuadas. É, enfim, a síntese de todas as actividades, dos elementos naturais e humanos, que ocorrem em determinado espaço. Para que a liberdade - individual, de circulação, de criação - seja assegurada sobre o território, os instrumentos de planeamento não podem ser aquilo que por ora são: mantas de retalhos zonning, cobertores A0 coloridos por rebuscados “índices”, “cotas”, “cérceas”, sem qualquer relação entre si que a pouco mais que casuística e orientações políticas ou erradas ou inexistentes ou ignorantes. A política é a instância onde uma visão para a paisagem deverá ter lugar. A política deveria ser a assertividade do país que se deseja. Sem política, diria, sem ideologia, o território, a paisagem, as cidades, são apenas o palco de disputas de interesses sem qualquer sujeição ao bem-comum. A paisagem é um bem escasso, recorde-se.

iii.
Lisboa. Naturalmente que Lisboa tem que ter o seu porto. De contentores e de cruzeiros. Naturalmente porque é de sua natureza. E porque a cidade não pode ser uma imensa esplanada à beira rio plena de metecos em laser “very typical” sem ser very muito menos typical.
A diversidade das actividades que ocorrem na frente de rio deverá, com predominância para as actividades portuárias, articular tanto o trabalho como o laser como toda a cidade e, decorrente das pesadas implicações económicas, com todo o país. Mas para tal seria necessária uma “perspectiva olho-de-pássaro”, política, que é coisa ausente em todos os debates que ocorrem. Prefere-se retalhar, escortaçar, dividir o território por sacrossantas “acessibilidades”, mudar de “paradigmas” no vale de Alcântara, como se Alcântara fosse um território apartado da cidade, da região e do país.
iv.
A polémica em torno do porto de Lisboa encerra todos os vícios da nossa depauperada democracia. Interesses privados que se sobrepõem ao público. Acordos apressados, que pesam ao contribuinte. Explicações absurdamente demagógicas – é fácil e eficaz acenar com o espectro do emprego/desemprego como argumento para o gasto irracional de milhões de euros em “acessibilidades” pouco menos que inúteis, (chega até a ser comovente).
E a cidade prossegue. Entregue a negociatas. Quando deveria estar entregue a si própria.

| João Amaro Correia | 19.11.08 |   | /

serviços mínimos


[Lote3/Lote4, S. Mateus da Calheta, Angra do Heroísmo]

©susana

| João Amaro Correia | 18.11.08 |   |

pombos no inverno


[Pigeons in winter, Nuri Bilge Ceylan, 2004]

Com o devido agradecimento ao David.

| João Amaro Correia | 14.11.08 |   | /

young mr. obama


[Young Mr. Lincoln, John Ford, 1939]

| João Amaro Correia | 4.11.08 |   |

mr. obama goes to washington


[Mr. Smith Goes to Washington, Frank Capra, 1939]

| João Amaro Correia | 3.11.08 |   |