localização

Mas porque estar aqui é muito, e porque tudo
o que é daqui aparentemente precisa de nós, estas coisas efémeras, que
estranhamente nos dizem respeito. A nós os mais efémeros. Cada uma
uma vez, só uma vez. Uma vez, não mais. E nós também
uma vez. E nunca mais. Mas o
ter sido uma vez, mesmo uma só vez:
o ter sido terreno, parece irrevogável.


Ranier Maria Rilke, As Elegias de Duíno, A Nona Elegia


Genius loci é um conceito romano. De acordo com uma antiga crença romana todo o “ser independente” tem o seu genius, o seu espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os da nascença à morte e determina o carácter da sua essência. O conceito de habitar convoca a relação que o homem estabelece com o lugar. Quando o homem habita está simultaneamente localizado no espaço e exposto a determinados caracteres da envolvente. A localização no espaço envolve duas funções psicológicas: orientação e identificação. O homem necessita de saber onde está e ao mesmo tempo terá de se identificar com as características do meio que o envolve, como está num lugar. Indentificação e orientação são aspectos primeiros do ser-no-mundo. A identificação é a base do sentimento de pertença e o sentido de orientação é o que nos habilita a sermos o homo viator que é parte da nossa natureza. O homem habita quando é capaz de concretizar e resolver o mundo em edifícios e coisas, em objectos. A concretização é a função da obra de arte, em oposição à abstracção da ciência. O nosso quotidiano consiste nestes objectos intermediários, a função da arte é ocultar as contradições e complexidades do mundo: ser uma imago mundi, a obra de arte ajuda o homem a habitar. Habitar é o fim último do construir. Esta relação estabelece uma via que conduz ao habitar, “construir é já por si só, habitar”. Este estar-na-terra é para a nossa experiência quotidiana algo que desde o princípio é “habitual”. A função primeira da arquitectura é tornar visível o habitar um lugar.

Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.


Herberto Helder, A Colher na Boca, prefácio


about this entry