estrada naciona#11


A aterragem da volúpia industriosa da construção civil não está a ser suave. Depois de 15 ou 20 anos de juros bonificados, de proveitos às autarquias decorrentes da construção massiva nas nossas cidades, de insustentável pressão sobre o território, de investimentos impensáveis num bem escasso como a paisagem, de inflacionamento irreal dos preços do imobiliário, do imobiliário como fonte inesgotável de riqueza, eis-nos com a paisagem desfeada, um sector vital da economia quase estagnado, em que as soluções à vista não sugerem uma perspectiva optimista sobre o que está aqui em causa. E o que está em causa é a qualidade da democracia que também se mede pela democratização do território.
O território, bem único e escasso, tem sido esteio do progresso económico do país, e por paradoxo, atirado ao desleixo e maus tratos, em favor de uma pirâmide de interesses gananciosos. A confluência de interesses, legítimos uns, muitos a ultrapassar a legalidade, sobe dos pequenos empresários, que se viram subitamente diante do toque de Midas transfigurado em betão armado, às autarquias, que recolhem assinaláveis proveitos para melhor produzirem as afáveis rotundas com que qualquer cidade portuguesa nos acolhe. A rede dos pequenos e mesquinhos interesses sobrepôs-se a qualquer ideia de progresso, democracia e, mais doloroso, liberdade.
A actuação estatal sobre o território é casuística. É a ausência daquilo que é banal e cansativo reconhecer a cada ciclo eleitoral: uma ideia, uma estratégia de desenvolvimento sem que se destrua tudo à passagem das pesadas máquinas que terraplanam o território. Ao sabor daquilo que os privados legitimamente pressionam mas que são apenas isso, interesses privados, as nossas cidades crescem ao ritmo com que o Orçamento Geral do Estado é exaurido para a construção de auto-estradas e vias rápidas que cosam o território consumido pela cupidez. Aparentemente as soluções seriam simples. Regrar a construção, recuperar os núcleos antigos das cidades, densificar o seu interior, e assim por diante, numa estratégia habitar as cidades e estancar a mancha ruinosa de betão armado que se alarga em volta destas.
Numa perspectiva liberal, não querendo parecer os dogmáticos blogs políticos, é imperioso mexer no mercado agora, para que a própria liberdade esteja a salvo.
Como bem único, o território é de todos, não pode ser refém de interesses que resultam, regra geral, na “guetização” quer das cidades, quer da própria paisagem. As cidades são historicamente a mais elevada realização humana. É isso que hoje, em Portugal, ainda não compreendemos.


[Mafra, Quinta de Stª Bárbara]


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