estrada nacional#10


O arquitecto é também um conciliador. Entre o passado e o presente e o futuro, entre o que é e o que não é, entre o mundo das ideias e o mundo da matéria. O mundo das ideias, a cultura, actua sobre a paisagem que é, strictu senso, o seu suporte. Em sentido estrito, pois a paisagem não é apenas “suporte” mas matéria de trabalho. É, portanto, a acção da arquitectura, uma acção cultural.
Na década de 80 Manuel Graça Dias elaborou sobre a “casa do emigrante”. Da genuinidade e da vitalidade dos desejos que lhes subjaziam. De uma certa psicologia que as ordenavam, da afirmação do sucesso individual alcançado em terras distantes, que se opunham ao desfasado e desconfortável vernáculo que os viu nascer. Era a importação não apenas dos modelos dos lugares de acolhimento mas também toda a ideia de conforto e ascensão social que lhes estariam associados. A casa do emigrante era, é, por assim dizer um curto-cirtuito, do desejo à matéria, do emigrante à obra, sem, na maior parte dos casos, a mediação do arquitecto. É uma construção genuína da própria individualidade.
A acção do arquitecto terá necessariamente ser uma acção do concerto dos desejos com o devir do desenho em obra. E tanto mais conseguido será o apaziguamento de um acto violento como o é a construção quanto maior for o seu entendimento do ser e do tempo e do modo. Da sua cultura. O desenho é a intenção representada da tentativa da organização de (um) mundo. E é no desenho que se organiza a constituição desse mundo, dessa verdade.
Mas humanos, demasiado humanos, os arquitectos tendem, muitas vezes, à organização do mundo a partir do umbigo. E é aí que reside a falência da arquitectura. E aquilo que era a vitalidade do exemplo casa do emigrante, de um desejo da individualidade afirmada no mundo, mesmo com a escassez cultural que porventura lhe estaria na origem, é no arquitecto a arrogância das certezas absolutas e do vazio das imagens reproduzidas sem entendimento das mesmas.
A inconsequência egotista tornada condenação das cidades.

[Caldas da Rainha, autor desconhecido]


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