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Se as meta-narrativas se elidiram na ansiedade da libertação individual, restam-nos as micro-narrativas como fresta privilegiada de acesso à realidade. Ou a interpretações do real. Sabemos bem, arquitectos, do domínio a que a disciplina está sujeita e que a torna subserviente histórica do poder. E é por isso que a arquitectura, para o ser, será crítica. E o último reduto crítico será político.
A espectacularização do quotidiano, fragmentado e disperso nas suas próprias representações, implode numa espécie de fosforescência fugaz que redunda o real num transitório e, ao mesmo tempo, infinito momento de troca de imagens. É aqui que a arquitectura serve as pretensões dos poderes difusos. De auto-representação e de apelo estético a uma identidade que o comércio dessas imagens pretende confundir como real.
Partamos das brochuras e dos suportes mediáticos que promovem os empreendimentos imobiliários eivados de “contemporaneidade” e “sofisticação”. Partamos do Tróia Resort:
"Na Área de Praia foi projectado um caleidoscópio de sensações doces e
reconfortantes como são os raios de sol que aquecem a irresistível Península de
Tróia. Junto ao fino e extenso areal o Troiaresort reinventou uma nova forma de viver a vida. Reuniu alguns dos mais audaciosos gabinetes de arquitectura que por sua vez
projectaram moradias contemporâneas que lançam um olhar intenso sobre a praia e o
mar. Traços de modernidade que convivem lado a lado com a natureza no seu melhor."
"Os benefícios de um moderno resort, perfeitamente inserido numa paisagem de excepção, tornam o Troiaresort num local singular quer pelo conceito quer pela classe."
"Situados na parte ocidental da Área Central do Troiaresort, os Apartamentos Turísticos da Praia são a antecâmara do paraíso. O acesso ao dourado areal faz-se de forma privilegiada através de um caminho de descontracção e bem-estar. Veja e seja visto numa atmosfera de exclusividade."
Nada aqui é vida, ou arquitectura, se se quiser, mas tudo um pouco ruína.
Da frágil península onde os bulldozers inegociáveis atacam restará um “paraíso” fabricado e insensato, ou PIN, como lhe chama o Dr. Pinho; a já costumeira velhaca confusão entre espaço público e interesse público com a propriedade privada e interesses impenetráveis; o ressentimento enclausurado em condomínios de acesso restrito e revestido a glamour e plástico; o medo, arcaico leitmotiv demasiado humano, dissimulado em modernidade equivocada; um país, uma cultura, que se desorienta num aparente cosmopolitismo que não será mais que um provinciano desejo de ser “como os outros”.
A tudo isto a política recuou e a arquitectura demitiu-se.
Ou é isto ou é a ganância sem freios.