o desejo vigiado: geometria do sentimento
Duas personagens deambulam: Vittoria, “cansada, deprimida, desgostosa e desorientada” para quem o amor é o grande esforço; Piero, a vitalidade e o optimismo do capitalismo, o yuppie avant la lettre. A ambiguidade moral do sucesso do capitalismo do pós-guerra. Uma cidade: Roma. A arquitectura de Roma é o território simbólico da vertigem e da repulsa, do carrossel da relação dois. O acentuado contraste do antigo e histórico com o novo e o optimista, num momento que nos sugere as primeiras dúvidas face ao optimismo no progresso imparável que pretendia a modernidade.
Vittoria e Piero encontram-se num fúnebre minuto de silêncio, interrupção da agitação da bolsa de Roma – construída a partir das ruínas de um antigo templo. O jogo da sedução não é encenado num dos seus modernos apartamentos. Tem lugar num antigo apartamento, propriedade dos pais de Piero, no centro de Roma, mise-en-scene da regressão e compulsividade da própria relação. Indolor, quase carinhosamente, exploram-se, na cidade antiga. Vagueiam em território estranho. Paredes antigas, história, o contraponto do optimismo imparável, impensado, de Piero, e do mal de vivre modernista de Vittoria.
Final: ruas desertas da Roma vespertina no moderno bairro E.U.R. A expectativa de Vittoria ou Piero surgirem no enquadramento da fronteira da cidade. Mas resta apenas o cenário, os objectos, tangentes às suas vidas cruzadas. A apoteose do modernismo na alienação, na incomunicabilidaade, na impossibilidade de ligações num mundo cada vez mais mecanizado.O apocalipse no título dos jornais: o terror atómico reduzirá a vida à poeira. Ao eclipse tecnológico.
coreografia do naufrágio
[O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962]
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- on 26.2.08
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