laisse-lui son soleil et ses statues


Vivemos ainda no mito romântico do artista isolado. É o defeito de formação, a alegoria do arquitecto, que num jogo de espelhos baços se vê como o criador afastado das contingências com que os seus semelhantes se deparam no dia-a-dia. Enclausurado numa torre de marfim, erguendo-se mais alto e acedendo, compenetrado, ao conhecimento do seu tempo. O lendário impetuoso espontâneo do qual emana uma originalidade ideal em cada obra. Um imaterial afecto às ideias num paradoxal exercício em que a matéria é o próprio pensamento, como o é a arquitectura.

O arquitecto alimenta-se, também, da história. Para além da subjectividade e das inclinações passionais, o vínculo com a tradição é indissolúvel da invenção arquitectónica. O entendimento, que não a experiência, da arquitectura obriga-nos à fixação do ponto histórico em que cada obra terá sido erguida e o reconhecimento do percurso e das experiências que lhe deram origem. É nesta rota que cada arquitecto arrisca a construção da sua própria historicidade. É na peregrinação histórica que a identidade de cada arquitecto se constrói, livre de interditos e prescrições. Daqui, os arquitectos devem adquirir a consciência do mundo em que operam através do conhecimento histórico amplo. A consciência histórica deverá contrariar o imediatismo que consome a obra. Fortalecida culturalmente, a obra será, também ela, esse ponto fixo para qual os vindouros se voltarão.

Ou sobrará uma arquitectura despedaçada. Fantasma. Como os espectros de Sócrates e Fedro, em Paul Valéry.

[Aires Marteus, Residência de Estudantes, Coimbra,1996]


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