O texto, provocativo, de Lebbeus Woods, que o Daniel Carrapa trouxe à liça, pode-se resumir num tópico central: a capacidade e a vontade da arquitectura na representação social e do poder e as suas implicações políticas.
O subtexto não é novo. Terá 100 anos, antigo do tempo dos manifestos do Modernismo heróico. Mas o tom é cínico, em harmonia com os nossos dias, portanto.
Acusa-se a arquitectura e os arquitectos de estarem ao serviço do capitalismo global, na concretização ansiosa do manifesto fin-de-siècle de Fukuyama. O pecado venal a partir do qual se ergue a produção arquitectónica contemporânea. O maniqueísmo é latente, como assinalou Sérgio Machado em comentário ao texto: “Woods denuncia o efeito Bilbao, e critica os arquitetos que estariam produzindo arquitetura num ambiente “menos intelectual””. Há os bons arquitectos, os que se sentem mais inspirados por Gary Cooper, indómitos demiurgos de uma nova arquitectura – de um novo homem, de uma nova sociedade -e os outros, frívolos amantes de Marilyn Monroe, promíscuos com as sinistras forças do mercado.
Esta visão encerra em si o que de mais leviano se encontra no discurso dos arquitectos: o sentirem-se ungidos por uma força divina e impelidos proclamarem um novo e maravilhoso mundo. Ainda que o não tenha exprimido abertamente, encontra-se no discurso de Lebbeus, esse impulso utópico a que historicamente a arquitectura recorre. Claro que afirmá-lo no luto das metanarrativas é penoso e já não liberta nem abre caminhos. Torna a arquitectura refém da sua própria história.
Envidentemente que este discurso é eivado de ideologia, como afirmou o Sérgio Machado e reafirmou o Daniel Carrapa. Qualquer proposição sobre um objecto que é iminentemente um objecto cultural escapará sempre à neutralidade ideológica. E isso não diminuirá a importância do que se diz. É perniciosa é a forma como o faz Lebbeus, onde se insinuam, apenas, as imoralidades do capitalismo global – às quais não contrapõe alternativas, porque, muito justamente, as metanarrativas faleceram há 20 anos. Depois dos eufóricos e optimistas anos 90, abrimos o século com o barril de petróleo a 100 dólares, a incerteza das economias, e o futuro ensombrado pelo declínio social e cultural das sociedades ocidentais, e dificilmente alguém se permitirá a um discurso que não retrospectivo, nostálgico e, como no caso de Lebbeus, ligeiramente ressentido.
A ilustração da decadência Ocidental é pretensamente provada pelo Bilbao Effect. Perversa obra, gratuita, mero jogo de formas que elidiu os últimos suspiros da crítica mais “séria” - Bilbao Effect é mais uma consequência teorética e menos a obra em si. Não é o edifício que importa – corrente programa museológico, sem aparente novidade tecnológica para além da curva de titânio – e não inspirou a novas realizações arquitectónicas, apenas a um efémero fenómeno sem quaisquer consequências na produção arquitectónica, teórica e prática. É este epifenómeno que é tomado como paradigma da contemporaneidade.
A cultura da celebridade, o excesso do efémero na esfera mediática, a banalização cultural, a inconsistência teórica e histórica, constituem o “ambiente árido” no qual os arquitectos tentam a reprodução do sucesso “comercial” de Frank Gehry em Bilbau. Essa busca vertiginosa da celebridade mediática é fomentada pela avidez dos grandes promotores na sua própria representação. Quer sejam os estados, quer sejam as grandes corporações multinacionais. É, portanto, um jogo em que os arquitectos se tornam subservientes dos dispositivos do poder, impelidos pelo caldo cultural actual.
Nesta lógica, o convite de Lebbeus a um regresso à teoria, ao “mundo das ideias” e não apenas o das “oportunidades”, é um apelo à resistência. É voltar a dizer aquilo que deverá ser tarefa importante do arquitecto: um esforço crítico, que não apenas procure um sentido, mas que seja, sobretudo, a produção do próprio sentido do(s) mundo(s). Um labor que esteja para além do brilho dos pixeis e das revistas de uma i-realidade glamourosa e quase transcendental.
É na linha ténue, sobre o limite, que o arquitecto poderá intervir. O olhar crítico poderá ser tentado de muitas formas e metodologias, das mais performativas e pirotécnicas, que não comprenderei, às mais quotidianas, em direcção ao apelo de Koolhaas, que o Daniel Carrapa transcreve, de um repensar do S e não apenas na avidez pelo XL.
Mas é necessário não ser moralista como Lebbeus. O esforço da arquitectura será tanto mais válido quanto mais com-o-mundo ele for realizado. Não basta denegrir a cor do dinheiro e bradar por novos mundos irrealizáveis. Porque isso é desprezar a humanidade.
[Kohei Yoshiyuki, The Park, 1971]
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- on 5.11.07
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