hermenêutica de fim-de-semana#3

... é preciso ter um sentido muito económico dos meios. Não sou nada sensível a uma arquitectura que precise de grandes meios e seja perdulária na sua linguagem. A arquitectura mais forte é aquela que consegue atingir o máximo da expressividade com justeza de meios.

Gonçalo Byrne, Expresso, 10.11.2007

Justamente, António, referi que me importa mais o que diz Gonçalo Byrne do que aquilo que faz. Porque este discurso da justeza é, em certa medida, contraditório com a sua própria produção. Reconhece-se essa contradição logo a partir do conceito de justeza, que Gonçalo Byrne afirma, ao mesmo tempo que discorremos mentalmente pelas suas obras, e da subsequente crítica a linguagens mais loquazes, porventura histriónicas. Temo que esta amena justeza, conservadora na sua natureza, dividida o mundo em dois: os “puros” e a proposta de regeneração social; os canibais hedonistas que tudo colam, tudo citam, tudo pilham, com o propósito único da auto-satisfação como princípio e fim moral. E o conservadorismo desta proposta decorre deste maniqueísmo – e admito que uma entrevista ao suplemento de fim-de-semana do mais pacato semanário da paróquia não proporcione mais alto trabalho conceptual.
Kubler e o Chão, o inquérito, o Moderno, a tentativa da máxima expressão, mínima nos meios, coisas de uma geração, mas nem por isso desprezíveis. E como as coisas são, como tento lembrar todos os dias ao acordar, mais complexas e contraditórias do que parecem, dessas referências conceptuais do arquitecto Byrne, na sua prática parecem restar apenas as imagens desse, digamos, minimalismo-vernacular. É uma linguagem dócil, sincera e ponderada, de “composição de alçado”, a qual corre o risco de se submeter ao jogo das formas em desprimor da experiência da própria arquitectura.

O interessante da entrevista - e de algumas obras de Byrne - reside na observação da capacidade transformadora da arquitectura. E aí Byrne ensina-nos alguma coisa. A afirmação do lugar como, também mas não só, pretexto ao acto da projectação e que o lugar resulta, ele próprio, da acção da arquitectura nesse determinado contexto. É essa, chamemos-lhe, fenomenologia do lugar, que interessa.


p.s. O rei de copas [Charles Correa, Kanchanjunga, 1970/1983]. Passo a cartada ao Lourenço.


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