a educação do arquitecto

Não me parece, Lourenço, que Gonçalo Byrne, no parágrafo citado, se refira ao “divórcio entre a arquitectura que é pensada” e à vox populi. Julgo mais plausível que o arquitecto estivesse, justamente, a entrar no jogo e se referisse aos “universos formais dos arquitectos que se habituaram à excepção e à excentricidade”. Vamos pôr mesmo a hipótese que estava a confrontar a sua produção, com carácter mais reservado e circunspecto, com as arquitecturas que pontificam habitualmente nas publicações mais na moda, mais performativas e estridentes. Mas esse é um campeonato que Gonçalo Byrne também joga, a despeito das suas próprias afirmações.
A necessidade de repensar o banal e o quotidiano, que num discurso arquitectónico pode tomar o nome de acompanhamento, é de facto, imperiosa, nas práticas contemporâneas - e sobretudo na produção portuguesa, com o nosso território atravessado por arquitecturas impensadas e impensáveis que o desfearam como uma catástrofe que sobre ele se abateu. Mas esse é um jogo que Byrne não joga. Talvez porque tenha acedido a um estatuto que lhe permita trabalhar quase exclusivamente na excepção. Uma passagem pelo site do arquitecto, pela lista de projectos, elucida-nos a esse propósito, quer programaticamente, quer tipologicamente. A análise mais detalhada das suas obras confirma, também contrariamente ao discurso, a exuberância nos acabamentos e nos materiais, disfarçada regionalismo e de minimalismo e de adaptação e apropriação do genius loci. Há, aparentemente, qualquer disfuncionalidade entre o discurso e a prática. Não vemos Byrne a “sujar as mãos”, numa expressão roubada ao Mestre Manuel Vicente. E “sujar as mãos”, para o arquitecto, passa por um compromisso com as contingências do real, que num projecto de acompanhamento são muito mais pertinentes e impositivas e evidentes, do que numa obra de excepção.

Mas a educação do arquitecto também terá muito a ver com esta atitude cultural. Desde o dia em que entramos numa escola de arquitectura somos bombardeados com a reverência submissa à excepcionalidade de alguns cumes históricos. E muitas vezes, sem qualquer amparo teórico e histórico, deleitamo-nos, a reboque de muito professor-arquitecto, com as façanhas arquitectónicas, num sortido tão arbitrário como a meteorologia ou as inclinações sentimentais do professor. Sem qualquer fio condutor, cirandamos de excepção em excepção, sem “sujarmos as mãos”.
Talvez esta educação pela excepção explique muita da arrogância dos arquitectos, de que nos chegam ecos doloridos, e com razão.


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