Muito se tem dito, escrito e supostamente pensado sobre a construção em altura na cidade de Lisboa. Da “vontade libertadora” do Sr. Lopes, onde os critérios especulativos e de “gosto” pessoal são os tópicos fundamentais, aos conservadores da “traça antiga”, resume-se tudo a um afã muito pouco consequente. Tudo muito pouco pensado, pouco discutido (nestas coisas convém não levantar muitas ondas, não apareça por aí alguma posição de bom senso).
Tudo começou com a Manhattan de Cacilhas. Passou pelas Torres de Alcântara. E o último exemplo é a “Praça de S. Marcos de Santos”. O que é bom de recordar é que em todos estes exemplos, os mais mediáticos, foram arquitectos com trabalho de grande qualidade que se envolveram no processo. Da tentativa de estabelecimento de novas imagens e padrões de cidade que foi a famigerada "Manhattan de Cacilhas" de Manuel Graça Dias & Egas Vieira, vituperada por tudo o que era político bem pensante e autarca responsável (com o argumento que a altura das torres superava do Cristo Rei... valha-nos Deus!), passando pelo esforço de qualificação da zona de Alcântara do arquitecto Siza, até à arma política de um putativo presidente da nação que é a contratação de Richard Meier para a revitalização de um quarteirão em Santos, a discussão girou sempre a despropósito à volta de argumentos que são pouco menos que idiotices e frases feitas sobre as cidades.
Ou o PDM não deixa, ou o Sr. Lopes não gosta, ou a Junta de Freguesia de Alcântara acha mal, nada restou do esbracejar histriónico a que se assistiu.
Entretanto, viajamos por Lisboa, por entre túneis-promessa, andaimes em cima dos passeios, e nada disto importa.
Porque se o PDM não é um instrumento de acesso da cidade à qualidade (de vida, de arquitectura, etc.), de nada nos serve...
Tal como de nada nos serve nem para nada nos interessa o tardo-pós-modernismo-capitalista que se está a instalar pela Av. Fontes Pereira de Melo.
Alguém se importa com o que é importante?
Lx on heights is nice
da Almirante Reis, ou as traseiras da Europa
A Avenida Almirante Reis, profundamente marcada e marcante, continuum paradigma de cidade e simultâneamente da nossa especificidade. Habitada por gente tão diferente quanto díspares as latitudes das respectivas proveniências: um braço de mar que entra pelo Martim Moniz onde se abandonam os destroços do império. Assim os povos o quiseram (ou se resignaram), assim a Câmara Municipal de Lisboa (não) se tem esforçado por assegurar. Toda a riqueza que se poderia extrair de uma lugar assim totalmente desprezada.
Impressiona ao longo do percurso desta avenida, as inúmeras raças e culturas que co-habitam e cooperam umas com as outras, apesar de fixações fortes por proveniências, proximidades e afinidades, é a energia vital que se estende até à Alameda. Um ghetto que não é um ghetto. Centenas de pequenas lojas, quase todas toscas, é certo, muita gente na rua, pobres e remediados que partilham passeios, excluídos que habitam recantos que tresandam a urina. Camadas de arquitecturas que se vão sobrepondo e que contam estórias de tempos, edifícios espantosos (os mais antigos) e construções aberrantes (os “contemporâneos”).
Uma aldeia que ainda não se habituou a directivas comunitárias que regulam tamanho dos preservativos, que vende móveis rascas de Paços de Ferreira, especialidades chinesas como o Cristo estereogramado que balança a cabeça enquanto os nossos olhos o percorrem. O inverso, portanto, do brilho da Armani ou Ermenegildo Zenga. Aqui as cores da arrumação territorial ainda não chegaram, não há zoning, nem funcionalidades que escorraçam os objectos e as pessoas, não se aplicaram as leis do novo urbanismo. E de certa forma ainda bem. Se aquilo é um emaranhado de culturas e significados muito se deve à inoperância urbanística da câmara... mas se esta vitalidade for cerceada por régua e esquadro ficamos a perder. Uma limpeza talvez, um pouco mais de organização no comércio e suponho que mais será nefasto.
Mas mais uma vez o problema parece-me outro, e apenas de educação, de um pouco de vontade de entendimento... e o resto é apenas consequência de vários outros problemas gerais.
Como diria o outro, a pobreza é mãe do crime...
estética do adormecimento
O princípio da fantasmagoria, o bombardeamento sensitivo da tecno-estética, demonstra o potencial da estética para induzir a uma forma de anestesia. A ênfase e saturação visual embriaga o observador, de tal modo que a experiência estética funciona como narcótico. As sensações estimuladas alteram a consciência e esta embriaguez estética podem adormecer o sujeito. Este fenómeno paradoxal pode-se exprimir pela oposição que o termo “estético” nos aparece associado ao seu oposto “an-estético” (anestesia). O antigo termo grego aesthesis faz referência não a teorias abstractas do belo mas a percepções sensoriais, implica uma elevação dos sentimentos e das emoções, uma consciencialização dos sentidos, o oposto, portanto, à anestesia!
O processo de estetização eleva a consciência a uma estimulação sensorial com que desencadeia uma anestesia compensatória como compensação contra a sobre-estimulação. A anestesia trabalha paralelamente à estética: uma alimenta a outra. Neste sentido o constante estímulo visual a que nos encontramos sujeitos pode ter um efeito narcótico. Assim um bom desenho depende obviamente de um alto sentido visual, mas esta ênfase na imagem acaba por ter consequências nefastas numa disciplina que, como a arquitectura, deverá estar envolvida em preocupações de carácter social – onde é mais provável que esta questões se reflictam mais acentuadamente. A sedução da imagem trabalha contra qualquer sentido subjacente de compromisso social. Como prática, a arquitectura encontra-se potencialmente sujeita a este âmbito estético, e os arquitectos particularmente susceptíveis a uma estética que fetichiza a imagem efémera, a membrana superficial. O mundo esteticiza-se e anestesia-se: a estética da arquitectura ameaça converter-se na anestesia da arquitectura, no seu adormecimento.