A Avenida Almirante Reis, profundamente marcada e marcante, continuum paradigma de cidade e simultâneamente da nossa especificidade. Habitada por gente tão diferente quanto díspares as latitudes das respectivas proveniências: um braço de mar que entra pelo Martim Moniz onde se abandonam os destroços do império. Assim os povos o quiseram (ou se resignaram), assim a Câmara Municipal de Lisboa (não) se tem esforçado por assegurar. Toda a riqueza que se poderia extrair de uma lugar assim totalmente desprezada.
Impressiona ao longo do percurso desta avenida, as inúmeras raças e culturas que co-habitam e cooperam umas com as outras, apesar de fixações fortes por proveniências, proximidades e afinidades, é a energia vital que se estende até à Alameda. Um ghetto que não é um ghetto. Centenas de pequenas lojas, quase todas toscas, é certo, muita gente na rua, pobres e remediados que partilham passeios, excluídos que habitam recantos que tresandam a urina. Camadas de arquitecturas que se vão sobrepondo e que contam estórias de tempos, edifícios espantosos (os mais antigos) e construções aberrantes (os “contemporâneos”).
Uma aldeia que ainda não se habituou a directivas comunitárias que regulam tamanho dos preservativos, que vende móveis rascas de Paços de Ferreira, especialidades chinesas como o Cristo estereogramado que balança a cabeça enquanto os nossos olhos o percorrem. O inverso, portanto, do brilho da Armani ou Ermenegildo Zenga. Aqui as cores da arrumação territorial ainda não chegaram, não há zoning, nem funcionalidades que escorraçam os objectos e as pessoas, não se aplicaram as leis do novo urbanismo. E de certa forma ainda bem. Se aquilo é um emaranhado de culturas e significados muito se deve à inoperância urbanística da câmara... mas se esta vitalidade for cerceada por régua e esquadro ficamos a perder. Uma limpeza talvez, um pouco mais de organização no comércio e suponho que mais será nefasto.
Mas mais uma vez o problema parece-me outro, e apenas de educação, de um pouco de vontade de entendimento... e o resto é apenas consequência de vários outros problemas gerais.
Como diria o outro, a pobreza é mãe do crime...
da Almirante Reis, ou as traseiras da Europa
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