um segundo dilúvio: a imagem

A nossa condição actual define-se pelo excesso comunicacional. Na sociedade avançada e mediática, dos media cada vez mais rápidos e dos modos de reprodução de informação, estamos mergulhados em imagens. Televisões, faxes, computadores, convertem-se em “janelas virtuais” da era das “auto-estradas” da informação. É uma cultura da cópia na sociedade da saturação.(1) O mundo é copiado até ao infinito.
A aceitação do que se convencionou como “sociedade da informação” facilita um alto grau de comunicação. Mas este dilúvio informacional pode ter consequências contrárias àquilo que supostamente o conceito se refere. “Vivemos num mundo onde existe cada vez mais informação e cada vez menos significado”(2), diz Baudrillard. É precisamente esta clonagem infinita da imagem, a proliferação infinita de signos, que torna o signo invisível. O signo já não possui significado algum. O significado perde-se na voragem de bits e cabos dispersos por todo o planeta por onde circula a informação em “tempo real”. Assim, em vez da informação produzir significados ocorre justamente o oposto. Este paradoxo pode ser atribuído ao esgotamento que ocorre no próprio processo comunicacional, em que o significado se dilui no seu próprio desenvolvimento. Por outro lado a pressão informacional a que os indivíduos estão sujeitos dilui o social numa nuvem imóvel.(3)
As consequências culturais são imediatas e resultam naquilo a que Jean Baudrillard chamou de simulacro. Onde a imagem se converte numa nova realidade, num mundo virtual que vagueia sobre o mundo real. Este mundo virtual caracteriza-se pela perda de referentes para com o mundo real. Num mundo onde o imaginário passa a ser “real” não há mais lugar para o próprio real. A realidade é sequestrada. A Disneylandia apresenta-se como lugar óbvio deste encobrimento da realidade.(4) Um mundo que se apresenta como a si mesmo como imaginário e que contrasta com o mundo exterior. Toda a cultura ocidental está a ser consumida por este síndroma que abole o vínculo do real com a experiência autêntica.
Tudo o que existe é imagem. Toda a realidade esbarra para o terreno estético e é valorizada pela sua aparência. O mundo esteticiza-se. Tudo se transforma em arte. Esta condição de excesso onde tudo passa a ser político e estético perde qualquer especificidade. A noção de arte desfaz-se quando tudo é estético. A própria palavra estética perde o seu significado. Nesta cultura onde a imagem se converte em nova realidade a categoria estética que disciplina a imagem estende-se a todos os domínios: a política que se converte em espectáculo, o sexo que se converte em pornografia e a tudo se chama cultura.(5) Tudo se “culturiza”, do mais marginal ao mais obsceno, tudo se converte em peça de museu.
O excesso de imagem, de comunicação e informação, tem como consequência o contrário: uma redução tanto da comunicação como da informação. A realidade exacerbada pelo consumo imediato dos conteúdos num processo de “estetização” geral. O mundo é percebido segundo a óptica da proliferação de imagens estéticas desprovidas de conteúdo.



1. Leach, Neil, La an-estética de la arquitectura, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2001, p.15
2. Baudrillard, Jean, Cultura y Simulacro, Kairós, Barcelona, 1978
3. ibidem
Leach, Neil, La an-estética de la arquitectura, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2001, p.18
4. “…Disneylandia, o arquetípico centro dos sonhos da sociedade de consumo.”
5. Baudrillard, Jean, Transpolitics, Transexuality, Transaesthetics, in Jean Beaudrillard: The Disappearance of Art and Politics, Macmillan, Londres, 1992, p.10


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  1. Anonymous 12.9.08

    muito boa reflexão! visite meu blog no Brasi.. rs.

    josemilagre.blogspot.com