O trânsito que cruza(va) a Ribeira das Naus até ao Campo das Cebolas é maioritariamente de passagem e de atravessamento da cidade. A manhã de sol de hoje provou-o à saciedade e revelou o fracasso dos oráculos dos nossos sacrossantos automóveis. Por uma vez, e espera-se que para exercício futuro, a cidade não é “desenhada” em função das acessibilidades, funcionalidades, e outros ismos que carregam consigo o apego ao egoísmo anti-urbano, anti-democático.
Há qualquer coisa de reconquista quando se atravessa para o Cais das Colunas sem sermos gaseados por combustível queimado, quando nos sentimos acompanhados por estranhos mesmo que não nos atrevamos a desejar o V Império nem o regresso de Sebastião, quando voltamos a experimentar simultaneamente o desconforto e o esplendor e o sublime do Terreiro do Paço. A Lisboa dos bocados urbanos circunscritos pelas auto-estradas do desenvolvimentismo provinciano pode agora transformar-se numa cidade de civilização e de liberdade.
Por disperso e anárquico que seja o processo de planeamento do que hoje se iniciou, deu-se a primeira martelada na chapa da ditadura automóvel na cidade de Lisboa. Talvez ainda não pelas razões certas, ou por todas as razões certas, podemos começar a desejar uma cidade em que se consiga habitar o e no espaço público, onde, por exemplo, os amantes deixem de marchar em fila indiana e possam caminhar lado a lado, de igual para igual, entre eles e a cidade, sem o entulho tecnológico e social da omnipresente viatura individual. E a quem queira esperar D. Sebastião, que se sentem no Cais das Colunas, esperem por um dia de nevoeiro, enquanto a nós, os mais prosaicos e triviais, é-nos suficiente matéria de felicidade o sol e a cidade.
bate-chapas: a reconquista
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- on 16.2.09
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- lx, portugal pós-moderno
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