estrada nacional#9


Há qualquer coisa de fantasmagórico na Estrada Nacional 1. Um espectro, uma agonia interrompida esporadicamente pela actividade que se vai mantendo em lugares precisos.
A EN1 é uma viagem pelos “modelos de crescimento” da nossa economia, democracia. É uma viagem pelos cafés abandonados outrora paragem de camionistas, pelos anúncios caóticos de actividades que prosperaram e hoje muitas definham à beira da antiga principal via do país, pela luz néon que já brilhou em jornadas nocturnas e agora se funde irremediavelmente, pelos armazéns toscos que evoluíram como comboios à medida das necessidades, chapas de zinco provisórias que se foram sobrepondo umas às outras na expectativa de dias que as tornassem definitivas, exposições ao ar livre dos apliques ornamentais em gesso que decoravam as casas de gosto e que e que agora nos ofendem no nosso prazenteiro passeio burguês, parques a industriais de materiais de construção e decoração que vão sobrevivendo num gerúndio inadequado às importações das novelas TVI e à formatação do desejo monte-você-mesmo made in Sweden. O roteiro do gosto e do desgosto desviados do olhar que agora corre fugaz pelas A1 e A8 que competem pelos flancos.
O esvaziamento da EN1 é uma digressão pelas opções erráticas de um país que se densifica ao litoral, que é servido pelas auto-estradas e vias rápidas que seguem paralelas e que distam entre si pouco mais que 20km e que servem todos os lugarejos que distam menos de 50km da linha de costa. O abandono da EN1 é a escolha numa paisagem negligenciada, desfeada, que a aceleração nos perfis de auto-estrada esconde. O vazio da EN1 é o desabitar do interior do país numa directa proporção à fixação da população ao longo das vias acelerador de partículas que se vão chocar algures entre Setúbal e Braga. É a rota do progresso que torna anacrónicos os dálmatas em porcelana estilhaçados pela velocidade com que se acede à grande superfície mais próxima, e ela é cada vez mais próxima e a cada dia maior.
A geografia da EN1 é o compêndio do nosso desprezo pela paisagem num comércio demagógico pelo progresso.


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  1. Anonymous 11.11.08

    Keep up the good work.