Crise é o nome do impasse. E o impasse o momento de dúvidas, perplexidades e interrogações a que se remete a arquitectura num presente indeciso e fragmentário, estilhaçado, da busca do seu próprio sentido. À luz de uma tradição que remonta ao Renascimento, caracterizada como humanista, incumbe-se a arquitectura também a servir a sociedade: incorporar ideias de acordo com os códigos de representação de cada época. É nesse debate permanente, num território onde se articulam utopias e realidades, que a História da arquitectura se expõe.
O dilúvio informacional, a velocidade, a instantaneidade, ocupou o lugar do debate reflexivo e substancial, substituindo-o por uma estética superficial já muito distanciada das intuições de Baumgarten ou Kant ou Nietzsche, outrora campo de debates sobre o gosto ou a moral ou a ética, transformando-se a Estética em pueris disputas de “estilos” pouco esclarecedoras de um conceito do belo. O próprio nome, belo, parece banido do discurso teórico, crítico e construído dos arquitectos. Wittegenstein saudaria este desaparecimento à luz das metamorfoses que o significado dos nomes vai adquirindo pelo seu uso corrente. Belo é pouco mais que um folhetim de alguns anacrónicos e pitorescos “românticos”.
A arquitectura brilha agora como fenómeno de media. The Bilbao effect como paradigma de chamada da arquitectura à atenção pública, a arquitectura enquanto publicidade da própria vontade pública. Os perigos inerentes são facilmente verificáveis: populismo, demagogia, vacuidade, a adesão do público como critério de avaliação estética, a volubilidade como ideologia, a arquitectura manipulada pelo poder – político, económico – como meio para um fim. Entre o mutismo de um discurso demasiado especializado e hermético ou o ruído frívolo dos soudbytes do marketing ideológico, balançamos ansiosos no desaparecimento de um discurso ou debate arquitectónico-cultural. A arquitectura, agora liberta de um discurso sobre o mundo, ergue-se como uma ferida narcísica pronta a clamar “estou aqui”, desejosa de aceitação pelas forças do mercado. O espectáculo formal é ele próprio a técnica de comunicação. A afirmação pela espectacularidade. Descartável e entediante, depois do hype sucumbir na voragem do próximo “paradigma”. A incompreensão dos cidadãos - agora categorizados como consumidores - sobre a própria arquitectura verifica-se na fuga mental para imaginários nostálgicos e devedores de sociedades, paraísos perdidos, que nunca existiram e de carácter pastiche-historicista ou para distopias tecno-ecológicas, que adquirem “valor” de mercado desconforme ao seu valor cultural.
“Trata-se de um volume de limites rarefeitos, revestido por um véu metálico que se pode abrir e fechar a cada momento, em função da luz, das vistas ou da intimidade pretendida dentro de cada apartamento”.
O edifício Cais24, [Manuel Aires Mateus], é esse lugar do vazio. Da Era do Vazio, do espaço descarnado, da arquitectura cadáver e refém de um discurso demagógico, para não amedrontar as “boas consciências” burguesas, trivializadas pela erosão da política, pelo consumo massificado, indiferenciado e indiferenciador. Como uma noiva vestida com sucessivas camadas de organza mas aterrorizada e incerta do destino que se lhe depara. Uma noiva desapaixonada, pornograficamente drapeada para um dia de festa ansiosa mas formalmente descomprometida com a generosidade dia-a-dia. Um véu metálico – poderia ser plástico - que não se compromete com a generosidade da cidade e da vida.