intervalo[s]

In Greek, chora means 'place' in very different senses: place in general, the residence, the habitation, the place where we live, the country. It has to do with interval; it is what you open to 'give' place to things, or when you open something for things to take place. [...] Chora is the spacing which is the condition for everything to take place, for everything to be inscribed. The metaphor of impression or printing is very strong and recognizable in this text. It is the place where everything is received as an imprint. There have been many interpretations of chora, typically reducing chora or projecting into chora various systems, Kant's for example. Chora resists all these interpretations.

Jacques Derrida, 1987


Ainda Byrne, a entrevista e a exposição. Ainda a incidência numa definição que encontrei já diversas vezes pronunciada por Gonçalo Byrne. “A arquitectura é um contentor de vida.” Frase que encontrou errância nas minhas incipientes reflexões. Por cá ficou, ainda que com um travo de abandono e de enigma. Aparentemente inofensiva, trazida no ameno registo com que o arquitecto Byrne discursa, há qualquer coisa de incompleto, e ao mesmo tempo fechado, por paradoxo, nesta frase. Nesta palavra, “contentor”.
Contentor
é uma ideia fechada. É um cerco. Um utensílio, que pode ou não proporcionar a transitoriedade de um conteúdo. Mas é passivo, necessita da manipulação e de uma determinação que lhe é exterior. Cheio ou vazio, o contentor é contentor. É anódino. Está, e é essa a inexorabilidade do seu ser. Apenas estar. É essa implacabilidade da coisa, do ser contentor de um conteúdo que lhe é estranho, que sentenceia a proposição “contentor de vida” a um vazio ontológico.
Ora, a arquitectura, será tudo menos o “vazio”. Será mesmo o seu contrário, e como a natureza, tem-lhe horror. O trabalho essencial da arquitectura é invocar uma ordem para o mundo. Uma metáfora das penas de Adão e Eva expulsos do paraíso. Uma metáfora do fora-do-paraíso, onde o mundo, e o espaço, exigem naturalmente uma diferenciação. Um centro e um limite. Uma interioridade e uma exterioridade.
Ser “contentor de vida” lança a arquitectura para a cenografia. Contentor pode ser cenário. Suporte, como meio, media, da vida. Necessidade despida de uma dimensão estética, reduzida a um funcionalismo insignificante, por não produzir sentido. Nem é habitável, por ali apenas se está.
A tentação da arquitectura é ser reveladora do que está oculto. Das subtilezas do que se esconde para lá do jogo das aparências. A sua experiência é a da manifestação do invisível, a nomeação do que ainda não tem nome. E é aqui que ela começa a habitar-nos e nós a ela.
O ser contentor nega este caminho de duplo sentido. O ser contentor é condição que acusa uma quietude no mundo e uma situação na ordem das coisas sem que as fira ou sequer lhes toque. E a arquitectura é o intervalo entre nós e o mundo, produtora de outros mundos.


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