Mais que as múltiplas publicações da especialidade, regra geral ou acessíveis apenas aos iniciados, ou esvaziadas de qualquer motivação crítica, a prática arquitectónica colhe em maior divulgação se difundida nos canais ao alcance da média burguesia – que tem a capacidade, via procura, de poder alterar o panorama construtivo. E é a quem dispõe desta capacidade, inconsciente, que os arquitectos se devem dirigir, na produção de imaginários modernos e cosmopolitas. Ainda que um certo elitismo bafiento da classe despreze as aspirações da classe média, é com ela que a arquitectura poderá pretender transformar alguma coisa. Se é que pretende.
O Expresso deste fim-de-semana ilustra o que afirmo.
A primeira pergunta da entrevista alude prontamente a projectos imediatamente reconhecíveis pelo público. Obras públicas e museus, mas mais interessante que isso – Espaços & Casas – a entrevistadora Marisa Antunes recorre aos muito mediáticos empreendimentos Bom Sucesso e Vila Utopia. Para o bem e para o mal, facilmente se reconhecerá a pertinência destas empresas na transição para o mainstream de nomes importantes do reduto arquitectónico. Pese embora todas as contradições, decorrentes da situação do mercado e da sociedade, a que projectos deste tipo estejam sujeitos. Mas ao nomear o Bom Sucesso e a Vila Utopia a intenção será talvez situar o leitor no patamar de “excelência” da arquitectura de Souto Moura e legitima-la através de símbolos reconhecidos de qualidade. Perversa inversão dos termos a que o marketing nos conduz.
A franqueza de Souto Moura desconcerta o transcendentalismo com que os termos “criar”, “processo criativo”, “momentos de inspiração”, e outras "poéticas", são rezados – tanto por arquitectos como por críticos. Para Souto Moura a arquitectura “tem a ver com a vontade de resolver um problema”. Abrupta descida à terra, corte epistemológico, para quem espera da arquitectura e dos arquitectos – da arte e dos artistas – respostas definitivas sobre a condição disciplinar e o rumo da história. O pragmatismo, ainda que idealista, o realismo objectivo, solicita ainda os arquitectos a reflectirem sobre o óbvio: que a arquitectura, despida de todos dispositivos mediáticos tem de valer por ela mesma. É redundante apelar a uma “arquitectura sustentável” ou a um “edifício inteligente”. Ser sustentável, inteligente, e bonito, é, desde Vitrúvio, justamente, o propósito da arquitectura.
Só depois deste confronto poderá aspirar a arquitectura transformar o ser. E essa experiência é já estética.