discursos

Isto em tentar ser arquitecto em épocas de incertezas tem as suas desvantagens e as suas vantagens. É óbvio que a lógica da “americanização” do pensamento constitui um enorme avanço na conquista da liberdade da acção: a construção histórica é descomplexadamente derrubada e manipulada – a ruína da história é já um tema em si – alargando o horizonte da teoria e produção arquitectónica. O camartelo não é novo: é moderno de uns duzentos e alguns anos. Ou é o excêntrico aristocrata inglês do séc. XII que encomenda uma casa em “estilo medieval”, ou é a tábua rasa de Durand e as prescrições que este determina para uma arquitectura adequada, é por aí o princípio da incerteza.
Mas nós, bisnetos de Le Corbusier, que guardamos como recordação muito nossa o materialismo tecnológico do Pavilhão de Barcelona do Mies, e nos espantamos com o transcendentalismo de Kahn, e nos divertimos com Venturi, ficamos perplexos e ansiosos perante o edifício da Arquitectura. A aflição é todo um programa.
Mas o impasse tem uma razão e uma outra razão histórica. E essa razão é consequência histórica: a concupiscência que devotamos à tecnologia. E tentemos destrinçar tecnologia de técnica a partir de Heidegger, a primeira toma legitimidade de “ciência” e a segunda que se enraíza nas práticas artísticas tradicionais.
É a partir desta devoção excessivamente optimista à ciência que os arquitectos começaram a legitimar o seu ofício através de pontos de fuga gerados na ciência: máthēma, aprender, ciência. Tudo é medido e iluminado à luz desse salto para a abstracção. O progressismo da revolução científica oferceu aos nossos colegas do passado o empurrão para o abandono da utilização quasi mística do número e da geometria e para uma abordagem tecnológica e funcionalista que ainda hoje prevalece. A geometria desce do seu pedestal gerador das formas para apenas mais uma ferramenta dos engenheiros do tempo que corre. O paradoxo é evidente: a especulação geométrica já não meio para a forma mas ao serviço de uma técnica todos os dias nova.
Isto coloca-nos perante a questão do valor. Porque, desde que o mundo é mundo e o mundo é assim, toda a acção humana exprime um valor que, em último degrau, reside no facto de toda a acção humana se destinar à organização do caos primitivo. Desde a dentada de Eva na maçã que este é nosso labor: o templo de Salomão, os livros de Vitrúvio, o osso artefacto e o monolito do 2001: Odisseia no espaço.

Chegamos, por isso, a uma situação de teoria a la carte: o discurso arquitectónico sustenta-se a partir do que, propriamente, não é arquitectura. Hoje estão mais na moda os discursos a partir da genética, já foram as gramáticas generativas de Chomsky, ou o rasto desconstrutivista de Derrida, ou o funcionalismo propagado por Sigfried Giedion, ou as estéticas industrias ao serviço da revolução mundial, ou o passeio histórico – lúdico - no Vegas Strip, ou os engenheiros e os seus cálculos exactos e precisos. Como se quiser, o que se queira.
O risco é grande: perdemo-nos neste roteiro histórico. E perdemo-nos porque nos recusamos a instrumentalizar a tradição teórica a nosso bel prazer.

É esse risco que me deixa perplexo na hybrid country house do Pedro Duarte Bento. Há uma perda qualquer no meio de tudo isto.
A ela voltarei em havendo tempo.


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