Porque era o Diabo que incitava os mortais a transgredirem o interdito, a provarem a liberdade perniciosa, era ele, a serpente subtil.

[Nós, Ievgueni Zamiatine + Guggenheim Museum, Frank Lloyd Wright, 1959]

| João Amaro Correia | 31.1.07 |   | /


[...] tudo se desviou do modelo e se tornou não-euclidiano.


[Nós, Ievgueni Zamiatine + U. N. Plaza, Roche-Dinkeloo, 1975]

| João Amaro Correia | 29.1.07 |   | /

impurezas

O equívoco que incorre o primeiro parágrafo deste post do Daniel Carrapa decorre de um típico mal entendido pós-estruturalista: tudo é linguagem, tudo é texto. Sintaxe e semântica são o amparo predilecto da crítica. Não atendamos aos suspeitos pensadores da “suspeita”, não matemos o autor para o procurarmos desesperadamente a cada nova leitura. Mise-en-abîme fatal num violentíssimo infinito esforço de decifração. Um impossível jogo arqueológico num mundo em ruínas, onde apenas encontraremos desbotados traços e pálidos vestígios do real. Nesta voragem, paradoxalmente, tudo se simplifica – banaliza – tudo é arte e tudo é despojado de valor simbólico. Este é um dos muitos problemas que afectam a crítica (pós-moderna).
A experiência da arquitectura, das artes plásticas, da dança, da música, ultrapassa os limites da linguagem – ainda que pretendamos que estes sejam coincidentes com os do pensamento, do mundo.

A arquitectura é uma technè do espaço: toda a arquitectura está num lugar, lugar esse que ela própria contribui para fazer existir. De facto trata-se de determinar qualquer coisa como uma “essência” da arquitecturalidade. A sua definição é ser um saber que consiste em dar lugar aos objectos de todas as naturezas que não são eles mesmos produtos ou obras deste saber. Seguindo a etimologia, a arquitectura é a ordenação dos tektones. A maior parte das obras de arte, de pintura e de escultura, como de música de dança ou teatro, dão-se num quadro arquitectónico. A diferença das obras de arte que tomam lugar no mundo e a arquitectura é um momento desse mundo, onde coexistem connosco, entre outras coisas, obras de arte. Distinguir a arquitectura e sublinhar a sua singularidade entre as “artes do espaço” visa tanto preservá-la de uma interpretação puramente “estetisante” tanto quanto libertar da pintura e da escultura uma responsabilidade que não é a sua. Ninguém vive num espaço literário ou pictórico. Por outro lado, o espaço arquitectónico não é fictício. Se múltiplas ficções se podem engendrar a partir dele é porque enquanto real ele fornece à imaginação condições particularmente favoráveis para que esta tome partida. A arquitectura é uma condição de possibilidade da ficção e do dizer e pensar, e um pensamento de espaçamento e de liberdade. Arquitectura e espaço tenderem a tornar-se sinónimos é um alargamento excessivo do conceito de arquitectura, dissolve-a numa “coreografia” generalizada, ao ponto de acabarmos por perceber a “arquitectura em tudo”. A arquitectura é uma tecnologia do ser, onde se desenrola a nossa existência. No meio dos espaços arquitectónicos. Esta é a Poïesis.

Quanto a Richard Meier, cito Nicolai Ouroussoff: "Mr. Meier's building is a contemporary expression of what can happen when an architect fetishizes his own style out of a sense of self-aggrandizement. Absurdly overscale, it seems indifferent to the naked beauty of the dense and richly textured city around it.That kind of insensitivity tends to reinforce the cliché that all contemporary architecture is an expression of an architect's self-importance."
Fiquemos, então, pela Smith House.

| João Amaro Correia | 18.1.07 |   | / /