câmara café de lisboa

- Os tipos do Porto pensavam que eu era de Lisboa. Tive que lhes dizer ‘oh meus amigos, aquilo que mais gosto em Lisboa são as duas pontes e o aeroporto’.
- A única coisa de jeito aqui em Lisboa é o casino. E nem é bem em Lisboa. É no Estoril.


O diálogo, impregnado de uma profundidade midlle-class-viril-imbecil, entre dois cidadãos que trabalham em Lisboa – presume-se que vivam em Lisboa ou num dos seus subúrbios – que recorrem à bazófia altiva como subterfúgio da desresponsabilização. Vivem num lugar que lhes não interessa que não seja pela extracção de uma parca prosperidade que lhes garanta sustento e visitas ao casino. Ostentam o desprezo pela cidade no elogio da sexta-feira escapista: ‘que nunca mais chega’.
‘Somos todos de fora de Lisboa’, diz-se. Poucos somos os de terceira, quarta, geração de lisboetas. Muitos por necessidade, poucos pelo desejo. (As razões explicam-nas facilmente a economia, a sociologia, o deformado desenvolvimento regional e a ausência de coesão territorial. E a cultura.) A maior parte indiferente, legitimamente indiferente, diga-se, à cidade. Porque a cidade, esta Lisboa contemporânea, é mero dispositivo utilitarista. Porque é reduzida a uma cidade de serviços, a um imenso escritório de trânsito congestionado em frente ao Mar da Palha.
Deste oceano de desprezo releva o deserto, a apatia, a renúncia à polis e à comunidade. Se não somos lisboetas, também já não somos da ‘terra’. O que é um óptimo motivo para que a quem tudo o que seja excluído do umbigo seja também indiferente e irrelevante. Mesmo que seja o lugar onde passa a maior fatia das horas do dia.
Falha o desejo de a habitar (plenamente), falha o desejo de a transformar.


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  1. Anonymous 16.7.09

    "O elogio da sexta-feira escapista" é frase de antologia!

     
  2. Marta 17.7.09

    Pois, o problema é acharmos que a cidade nunca é nossa. Que não temos responsabilidades sobre esta. Por isso não temos que nos preocupar em olhá-la, observá-la tentar percebê-la nas suas idiossincrasias.
    "Somos" de fora das cidades não só porque já não temos "dinheiro" para habitá-las, a não ser nos seus anéis ou "tendões" estendidos, como também porque nos demitimos dela.
    É urgente a educação para a compreensão do património e das cidades. As pessoas são cada vez mais ignorantes nestas matérias. Ensina-se as criancinhas o que é um ecoponto não se ensina o que é mais importante, como habitar e como viver na sua cidade, obrigações, deveres, direitos, e participantes.

     
  3. jraulcaires 17.7.09

    Também podia falar do espaço da "não inscrição" dos portugueses de que fala José Gil. Da ausência do espaço público. Talvez seja um "fado".