subúrbio infinito


Andreas Gursky, Rurhtal

Aqui tudo parece
Que era ainda construção
E já é ruína

[...]
E o cano da pistola
Que as crianças mordem
Reflete todas as cores
Da paisagem da cidade
Que é muito mais bonita
E muito mais intensa
Do que no cartão postal..


Caetano Veloso


Há por todo o lado máquinas produtoras ou desejantes, máquinas esquizofrénicas, toda a vida genérica: eu e não-eu, exterior e interior, já nada querem dizer.

Gilles Deleuze e Félix Guattari


Não sem o cinismo com que constrói, Koolhaas devolve-nos ao exercício de pensar a cidade contemporânea no su texto "A Cidade Genérica". Ou à forma como experimentamos a cidade. Ou como, onde, decorre essa experiência urbana no nosso quotidiano. Porque antes de ser um texto sobre cidades, ou a cidade, é mais especulação sobre a experiência urbana. E a experiência, a subjectividade, não poderá ser idealizada sustentando-se em categorias puramente empíricas: não seremos todos hiper-viajados, connoisseurs do marisco mais saboroso, eruditos e ilustrados na história das cidades ou sequer na História. Mas o texto apresenta algumas hipóteses que importa verificar.
O significado desta condição urbana – numa altura em que mais de metade da humanidade habita em cidades – tem o alcança identitário. Será talvez este o principal tema da “cidade genérica”. E cidade é aqui não uma geografia, uma sociologia, uma economia - será tudo isso e, evidentemente, mais – mas é uma condição. Um a priori que enforma os indivíduos e conforma as suas identidades: o tráfico permanente das imagens; o déjà vu eterno da experiência do quotidiano – as mais radicais experiências (trágicas?) serão asspeticamente resguardadas pelos dispositivos da segurança vigiada -; a amnésia em luz néon; a mecânica do desejo do ser único e ao mesmo tempo global; a paranóia do futuro no minuto cessante; o ar-condicionado que abriga do buraco do ozono; a infinita “fachada-cortina” que induz a florescente indústria do silicone tapa-juntas (“o triunfo das juntas sobre a integridade dos materiais”).
A realidade de Koolhaas apresenta será anódina e asséptica, onde a experiência será apenas simulacro e o futuro a condenação a uma forçada felicidade em ar-condicionado – vulgarizada pela banalizadora e infinita repetição.
“A Cidade Genérica”, publicado em 1997, estará mergulhado no optimismo inebriante dos anos noventa e no apogeu das dotcom’s e dos índices Dow Jones. Como um Fukuyama urbano que anuncia o fim da cidade porque é agora tudo cidade e nos remete à condição da felicidade plastificada de um subúrbio infinito e global. Sem estória nem estórias, num movimento perpétuo de reescrita da História, disneylizando progressivamente as identidades.
Em dez anos assistimos à derrocada do optimismo perpétuo e radical. Entretanto Koolhaas dedicou-se a dar espaço (room) à condição “genérica”. Produzindo ícones atrás de ícones, postais atrás de postais, reproduzindo e densificando o vazio, que é a categoria essencial da “cidade genérica”. Como se a globalização nos deixasse estranhos em toda a parte e estando em casa em qualquer lugar do planeta. A dissolução da physis deixaria os arquitectos longe de qualquer melancólica noção de cidade, bairro, praça, espaço público, de História, de moral. Abandonados apenas a impulsos estéticos. Aqui, um frenesim de aparências e ilusões.
Irónico? Cínico?
¥€$

[La ciudad genérica, Rem Koolhaas]


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