histeria proletária do betão


É lamentável o que aconteceu a Maria Zaal com a venda dos terrenos auersbergerianos, pensei eu na poltrona de orelhas. Onde havia, ainda há vinte anos, os mais belos prados e pastagens, elevam-se agora dezenas de vivendas, cada uma mais feia que a outra, em grande parte aquilo a que se chamam casas pré-fabricadas, que os seu compradores podem encomendar directamente nos armazéns das imediações, cubos de betão horríveis, com telhados baratos de eternite ondulada, pregados por desleixados mestres do seu ofício. Onde havia um pequeno bosque, onde, na Primavera, florescia um jardim, que exibia as suas mais belas cores ao emurchecer outonal, pululam agora os tumores de betão do nosso tempo, que já não tem qualquer respeito pela paisagem nem pela natureza em geral e que é apenas dominado pela avidez do dinheiro politicamente motivada, pela histeria proletária do betão, pensei eu na poltrona de orelhas. Todos os anos, um ou vários desses terrenos do casa Auersberger em Maria Zaal são vendidos a essas pessoas da região de Maria Zaal, que, com as suas ideias primitivamente ignóbeis sobre a construção, pouco a pouco vão arruinando essa Maria Zaal e que já arruinaram mesmo Maria Zaal, pois eu estive uma vez, há dois ou três anos, em Maria Zaal, por assim dizer incógnito, no caminho de Itália para Viena, e não acreditava nos meus olhos, pensei eu na poltrona de orelhas, ao verificar quão grande é já a destruição de Maria Zaal só em razão da perversa venda de terrenos do casas Auersberger. Cada venda de um terreno dos Auersbergerianos, que não ganham dinheiro nenhum, porque não precisam, como decerto eles pensam, destrói um bocado da natureza de Maria Zaal, e já destruiu mesmo Maria Zaal, como eu vi com os meus próprio olhos; pois se Maria Zaal era efectivamente, ainda há vinte anos, uma das mais belas povoações da Estíria, agora, devido à falta de escrúpulos dos Auersbergerianos, é uma das mais feias, esta é que é a verdade, pensei eu na poltrona de orelhas; os Auersbergerianos são responsáveis pelo que aconteceu a essa jóia da Estíria, pensei eu na poltrona de orelhas, e de repente pensei que não foi essa gente simples da região de Maria Zaal, impelida por estes tempos horrorosos para a histeria da construção, que destruiu a paisagem de Maria Zaal, mas sim o casal Auersberger, não foram aqueles a quem se censura que as suas casa horríveis já desfiguraram e arruinaram quase toda a região de Maria Zaal, antigamente tão invulgar, e que, como por toda a parte na Áustria, cagaram simplesmente as suas casas na paisagem, porque ninguém lhes disse como é que as deviam construir, mas sim o casal Auersberger, que, escondido por detrás deles, todos os anos impele o tio advogado a vender ainda os seus últimos terrenos, e esses últimos terrenos ele decerto os irá vender, para que eles, os Auersberger, sem mexerem sequer um dedo, possam prosseguir a sua mais ou menos inútil vida social, pensei eu na poltrona de orelhas. Pérfidos onanistas da sociedade, pensei eu sentado na poltrona de orelhas, que designação tão verdadeira, que o tapeceiro Fritz uma vez lhes lançou em rosto, como eu me recordei na poltrona de orelhas.

[EN1, Batalha + Thomas Bernhard, Derrubar Árvores, uma irritação, Assírio & Alvim, 2007]


about this entry