a "Casa"


© Fernando Guerra

A Casa em Azeitão [Miguel Beleza, José Martinez] que hoje se abre ao Público, [Esta Casa não existe, Jorge Figueira, Mil-Folhas, 02.02.2007] apresenta-se como insinuação daquilo que não É. Melhor, Jorge Figueria sugere-a como via possível, ponto de fuga ao “pastiche neo-moderno que está a corroer a arquitectura portuguesa”.
A tese é simples: estão lá todos os elementos semânticos de uma “Casa”, [assim mesmo, com aspas e maiúscula], janelas, portas, cobertura de 4 águas, organização convencional em detrimento do exausto zonamento Moderno, e todos os símbolos que representamos como a “Casa”. Remetente do arquétipo da casa, húmus mítico que se vai depositando em nós antes, muito antes, de termos vindo ao mundo. Aproximação ambígua desse arquétipo a modelos de filiação centro-europeia [laranja mecânica + canivete suiço].
Passe a pretensão de a Casa de Azeitão ser tudo isso, e aceitemos que sim, ficamos com pena que este discurso não seja sobre a “Casa” de Azeitão. Façamos uma digressão pelas plantas, vejamos o piso 0 e embasbaquemos com a “planta livre” vers une architecture. E continuemos por aí fora a estudar este “rochedo esculpido, rugoso e texturado, que na sua determinação geométrica e engenho construtivo se distingue da casa comum”, e vamo-nos apercebendo que o discurso crítico sobre a “Casa” não é sobre esta Casa em Azeitão. No confronto proposto com a tradição moderna/neo-moderna, por oposição e crítica, e com a “filiação centro-europeia”, por evocação, esta casa não resiste. Porque é apenas mais uma reprodução dos ícones mais glamorosos que as revistas do “estrangero” nos anunciam. O espanto não é espanto. É provincianismo.

O diagnóstico da metástase é esclarecido e eficaz – o esgotamento do cânone neo-moderno, a tentativa de, nessa fadiga, fazer regressar a e dissimular a violência do acto construtivo a uma paz podre com a “ordem do natural” – ainda assim aquém do real: a proliferação das “casas” [assim mesmo, com aspas e minúscula] de pórticos neo-dórico-rurais de imagética arcaica/aristocrata, o arrivismo nouveau-riche que as faz disseminar pelo território; a já mencionada cópia infinita empobrecida e entorpecida do cânone neo-moderno (que é como quem diz da dupla de pontas-de-lança Siza/Souto, com Carrilho no banco à espera da chamada do mister) não por qualquer auto-consciência estética mas tão apenas e só por preguiça, insegurança, desamor, desprezo dos nossos prezados colegas que prosseguem as suas “investigações” pela caixa branca dentro caixilhos minimais fora.
Deus não se esconde nos detalhes, como no mundo que esta gente propõe. Deus é a lâmina da espada que, como a paixão e o amor e a alegria, nos abre violentamente o nosso mesquinho e pequeno mundo.

© Querido & Fialho, Sociedade de Mediação Imobiliária Lda.


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